Ninguém vai ler isso…

Ninguém vai ler isso. É apenas um diário, escrevo para me aliviar. Ainda dói, e mal consigo escrever. Não estou conseguindo contar nem para mim mesma! Segredo. Eu sei que ninguém vai ler. E ainda assim, não estou conseguindo colocar para fora. Não quero testemunhas, mas já existe uma. Confissão. Não quero contar nem para o meu diário, quero me esquecer, como esquecer? Segredos, quanto mais força aplicamos para escondê-los mais eles doem. Doem, doem, doem. Lembranças. Já havia pensado em várias coisas, mas sempre tive uma certeza: não queria perder a virgindade de uma forma convencional. E talvez eu nem quisesse perder. Medo eu nunca tive, mas tinha que ser uma paixão violenta e à primeira vista, era essa a minha fantasia. E fantasias são apenas fantasias, assim como eu nunca acreditei em amor e sonhava com a minha alma gêmea. Parece que há duas pessoas em mim: uma menina cheia de fantasias sexuais e uma mulher romântica. Dentro da menina há inocência e curiosidade, dentro da mulher há sonhos e medos. A mulher já viveu dezenove anos e ainda está presa ao passado, a menina é livre e atemporal, as duas vivem como se o futuro não existisse. A menina quer logo experimentar porque as oportunidades não voltam, a mulher foge porque não há como desfazer o que já está feito. Nada “desacontece” e tudo me confunde, amor é tudo? A menina só pensa em sexo, as pessoas chegam a se preocupar com isso, mas as pessoas sabem que a mulher pensa em sexo com amor. E eu não quero que ninguém saiba o que eu fiz, mas, como já disse, há uma testemunha. A culpada sou eu, isso é óbvio. E quem me provocou? E o que aconteceu? Quem me deu conselhos? Isso eu não conto nem para o meu diário. Amanhã talvez eu conte. O futuro não existe mesmo, e o dia já amanheceu, então vou começar a contar…
… eu queria dar para o primeiro que aparecesse…
Sim, eu estava com raiva da vida. Raiva da pessoa que eu amo. E já apareceram tantos na minha vida, por que eu esperei tanto? Eu me apaixonei quando menos esperava… que história chata, não vou contar nada, tenho vergonha. A história acaba aqui.
Bem…
Querido diário, de novo eu te atormento com essa maldita história, que tantas vezes começou e nunca chegou ao final. Nem na metade. Até os dezoito anos eu nunca tinha visto nenhum homem completamente despido. Há, há, há, conta outra! Tá, vou contar mais uma verdade: o corpo dos homens não me atrai. Mas eu amo um, que vou chamar de L, e quero contar tudo ao mesmo tempo! Não, vamos por partes… A mulher acreditava que L talvez fosse o grande amor da vida dela, e a menina provocava a mulher chamando-a de… brega e ultrapassada. A menina é imatura, mas não é má, e também gostava de L, mas dizia para si mesma que L era apenas uma “experiência nova”. Uma descoberta. As duas estavam apaixonadas e brigavam entre si, as duas bobas que deveriam ter se unido e os três (quem sabe) teriam se dado tão bem… Eu sei que L me acha louca, mas nunca soube o que ele sentia por mim. Eu poderia ser apenas mais uma para L. Para mim, ele era o primeiro, a primeira paixão à primeira vista por um homem. Primeira e única, porque depois de L nenhum outro homem me interessou. As mulheres continuavam me interessando, eu me apaixonei até por uma delas, mas agora (de novo) já estou começando a contar tudo ao mesmo tempo. É difícil, diário, falar de L sem que as duas briguem dentro de mim. Esperei um ano, o que é um ano para quem pensa em perder a virgindade desde os catorze anos? Mas dezenove é demais… minha irmã foi deflorada aos dezenove anos… “deflorada”, a mulher adora essas palavras… a menina gosta de fuder, fuder é uma linda palavra, fuder é bom de repetir, dizer, sentir, fuder, descobrir, escrever, admitir… a mulher raramente fala ou escreve, ela fica escondida em algum canto de mim, ela me domina sem muitas palavras. É a menina quem adora aparecer… qual das duas L viu em mim? Será que ele viu alguma coisa em mim? Alguém? Paixão? Mesmo apaixonada(s) por L, eu disse claramente…
… não quero levar ninguém à sério, vamos continuar ficando…
É, foi isso que eu fiz, que louca! Nunca contei para ninguém, também nunca entendi porque depois disso L nunca mais ficou comigo. E passou um ano, nunca fui de esperar muito pelas coisas que eu realmente quero, e paixões à primeira vista não me acontecem todos os dias. L não existe! Ele poderia ter feito tudo o que todos os outros quiseram fazer, tudo que eu nunca tinha feito antes, ele teve uma semana inteira para isso e não fez nada comigo… isso é uma coisa que eu não entendo: por que L não fez nada em uma semana? L não entendeu o que eu quis dizer com aquela maldita frase!
… estou apaixonada por você, completamente apaixonada, e eu nunca senti isso antes! Não precisa me levar à sério, não estou cobrando nada…
As mulheres querem estabilidade e os homens querem se divertir, certo? Eu quero me divertir, e é um erro ouvir conselho de pessoas convencionais quando você não é uma delas. Pra que eu fui conversar logo com a minha irmã? Eu sou impulsiva… “não seja tão atirada, isso assusta os homens”… “mas eu quero dar!” … “L vai pensar que você é qualquer uma, não tem nem uma semana que ele te conhece”… “mas uma semana é mais que suficiente, é tempo demais! Eu e minha ex namorada ficamos mais de dois anos juntas e fudemos no mesmo dia em que a gente se conheceu”… “mas os homens são diferentes, por que você não me ouve? Você não conhece os homens”… “E eu nem quero conhecer!”…
… Mas o L eu queria, eu fiz tudo errado e nunca vou saber o que ele queria. Como minha irmã pode ter vivido dezenove anos sem sexo? Ela deve ter feito muita coisa antes de dar, as pessoas convencionais são cínicas. L é um homem convencional. Não, não pode ser, não deve ser, a menina e a mulher não são assim tão cegas (e elas não teriam se apaixonado por L se ele fosse como os outros). L é estranho, cego talvez, mesmo que ele não gostasse de mim… por que ele não me usou? E se ele gostava… (eu ainda gosto) por que ele não falou nada? Estou agora mesmo rasgando estas páginas, não quero que ninguém leia. Não quero que ninguém saiba que um ano depois eu ainda penso em L, ninguém vai ler isso.