1.
Por um momento não soube o que eram as palavras abaixo.
Não soube também
porque o céu é azul,
o sol aquece,
os pássaros voam,
as abelhas vão de flor em flor
fazer mais flor.
Não soube
porque como
e porque caminho,
porque minha carne é mole
e meus olhos vêem.
Mas sei
porque minha mão pensa e escreve.
O pão de cada dia,
torrado ou claro,
besuntado de manteiga
é o culpado pelos males do mundo.
Se não existisse,
comeríamos brioches e croissants,
tomaríamos chá
em mesas lindamente
atoalhadas de rendas,
guardanapo aos colos,
vestidos os homens com belos fatos
e as mulheres exibiriam,
orgulhosas,
belos decotes
que seus acompanhantes
fingiriam não ver.
Mas, a verdade
é que temos um balcão ensebado,
um café com leite no copo
e um pão com ranço de manteiga,
seguro por mãos de calos
e unhas sujas,
e bocas de dentes podres,
estômagos vazios de tudo e nada,
e um olhar cansado,
desesperançado,
porque sabe
que amanhã,
e depois,
e depois,
ali novamente estará,
com a mesma boca halitosa
a comer o mesmo pão,
de pé
sobre o mundo
em que foi posto por engano.
2. Relato nr. 8
Patrão,
quando batem à tua porta,
mandas o Espírito Santo
que não podes atender
pois estás em reunião com os santos.
A São Pedro,
ordenas chuvas e trovoadas,
a São José que se cale,
afinal ele é um simples carpinteiro
e só entende de paus e pregos
e nem sabe fazer um filho.
A São Tomé,
que seja crédulo
que as gentes do Brasil
hão de dar um jeitinho.
A São Cristóvão,
passas-lhe um raspanço
por não ensinar aos que conduzem os carros.
À Virgem Maria,
perguntas-lhe como pôde ter um filho
e continuar virgem,
e ela,
pela milésima e uma vez,
pisca para o Espírito Santo
e dá um risinho envergonhado.
A Santo Antônio,
ordenas que ponha um fim aos casamentos,
já que todos fazem filhos
sem subir ao altar e,
o que é pior,
não sabem o que fazer com eles.
A São Aniceto,
que olhe pelo meu afilhado,
pois o padrinho
dele não faz idéia.
A São Cosme e São Damião,
que parem de estragar
os dentes das crianças
e que deixem de andar junto
que isto já está a parecer mal.
A Nossa Senhora da Penha,
que instale uma escada rolante
e distribua almofadas para os joelhos dos beatos.
A São Paulo,
que cuide de sua cidade
e escreva uma carta ao Coríntians,
e a São Crisóstomo
não te diriges,
pois não se sabe a que ele serve.
A Teu filho nada dizes,
filhos não escutam os pais
e pensam que eles não percebem de nada.
E assim passas os teus dias,
se é que no céu há dias,
a dar ordens
e ouvir sandices
e ainda suportas
aquela pomba
a empoleirar-se na tua cabeça
e embaraçar-te os cabelos.
Não me admira
que não tenhas tempo
de ouvir aqueles que rezam
e muito menos os que não o fazem.
Podias ao menos
arranjar um tempinho
na tua agenda
e dizer ao papa
(se o encontrares),
que os homens não precisam
de rezas e missas,
mas sim
do pão de cada dia.