DESPRESENTANDO-ME
Acusam-me de ser Bruno Kampel, e não se enganam. Pensam que sou isto ou aquilo, e sim o fazem. Em resumidas contas, sou, o que já é bastante. Descartável, como as melhores idéias. E durmo nu, como os piores pesadelos.
Isso sim: escrevo pensando no bem que escrevo. E penso que teria sido um excelente escritor se não tivesse pensado que sou um excelente escritor.
Desentôo quase sempre com quase todas as minhas verdades, e em todos os meus desejos flutua um não-sei-quê de esperança bastante desbotado.
Sou uma antítese operada de peritonite; um escravo de meus humores, de meus calores, de meus odores e desamores. De profissão antônimo, algo anônimo, bastante atônito.
Uma vez por semana faço chover tormentosas idéias sobre a minha inspiração, regando um pouco as raízes das entrelinhas de minha óperas primas.
Amargo-me a vida vendendo carátulas de felicidade, mentiras bio-degradáveiss, lembranças recicladas, promessas esquecidas, poemas que se arrependem. Ah! Gritar em silêncio é o meu escândalo preferido.
Isto é o que lhes posso adiantar. Quem deseje saber mais, que remeta um cheque em branco, que então farei que conheça em cores as dores, aventuras e desventuras
contidas no segundo capítulo de mim. Sou, sem dúvida, o meu maior e único best-seller.
(Esta declaração no a assino nem que me paguem. Nem que me peguem. Nem, que me amem. Nem que me encanem. Amém).
NOVA ERA
Saberão os herdeiros do novo tempo
suar de angústia
chorar de ternura
tocar olhando
dizer calando?
Saberão os inquilinos do novo século
morrer de amor e renascer
pedir perdão por não saber
tender a mão sem exigir
gritar verdades sem temor?
Saberá o milênio entrante
que herda carícias impotentes
promessas incumpridas
mentiras verdadeiras
e instantes decisivos?
Saberão os dias futuros
escancarar a porta à esperança
ler o testamento do passado
e entender, e entender, e entender?…
Já saberemos quanto saberá o milênio
já veremos o que dirão seus anos
que farão seus filhos
e suas máquinas
e seus líderes
e suas bombas
e seus hinos.
Já teremos tempo de saber
se o que sabe tem gosto de futuro
se o que diz ensina o caminho
se o que oferece vale o seu preço.
As respostas virão cravadas
no horizonte cibernético
no firmamento internáutico
na ignorância terapéutica
ocultando o essencial
do vital
do letal
do fatal.
Veremos o que queiram?
Faremos o que digam?
Seremos migalhas errantes
sobre a toalha do tempo?…
DEDO NA CHAGA
Os profetas da globalização desenfundam seus hipnotizantes discursos nutridos em pútridos aforismos que disfarçam sua verdadeira e cruel sintaxe dodecafônica, enquanto os governos esdrúxulos entoam cantos gregorianos, e o eco de 1968 explode em metáforas sociais alheias ao despertar da insensatez tecnológica, a qual, trepando pelos índices bursáteis, desenha, no rosto dos que tudo podem, um ríctus de desprezo revalorizado e maldade intransigente.
Noutra esquina do pântano social, a abundância ri-se às gargalhadas dos pobres e humildes escravos, que anônimos como a desgraça alheia e encolhidos como o estómago vazio, suam de frio enquanto rezam seus pleonasmos de esperança.
Ante a ignomínia que nos avassala, nem gestos de raiva, nem exemplos gritantes, nem coartadas salvadoras, nem consignas talhadas em pedras filosofais para vencé-la, mas apenas silêncios eruditos desafiando aos fatos desprezíveis que avançam pisando a bainha da nossa finita paciência.
Senão, preguntem ao Porvir, que sentado à beira do Presente, abriga ilusões que inundam de respostas o renascer da nossa esperança, convidando-nos a trabalhar para que de uma vez por todas volte a estar de moda pensar como animais que fomos, e não como máquinas que somos.
Mijo e cago na cabeça dos arquitetos da globalização de la miséria e nos pontífices da mundialização da injustiça.
ah! Esquecia
Deus é grande! exclamou
o diabo ao somar seus haveres.
Deus provê! pensou
o arcebispo em seu palácio.
Deus insiste! comprovou
o correspondente de guerra.
Deus não existe! disse
ao olhar Deus a sua obra.