Peguei o gravador e saí da redação para a nova tarefa da qual fora incumbido: entrevistar crianças a respeito do Natal, que já estava perto. Iríamos fazer uma matéria mostrando o que os pequeninos, na sua maneira de entender, pensavam da grande festa. Para começar, fui para perto das lojas que vendiam brinquedos.
Aproximei-me de uma das muitas crianças que estavam olhando as vitrines. Liguei o gravador e fui logo perguntando o nome:
– Celso respondeu o garoto, de aparência saudável e vestido com roupas simples, porém bem cuidadas.
– Quantos anos você tem?
– Seis.
– Você sabe o que é o Natal?
– Bem… é quando a gente ganha presente…
– Só isso?
– É…
– Nunca lhe disseram que o Natal existe porque foi nessa noite que nasceu o menino Jesus?
– Não sei…
Notei que o microfone o estava inibindo e preferi perguntar alguma coisa que ele soubesse responder.
– E você ganha muitos presentes no Natal?
– Vou ganhar um brinquedo e chocolate.
– É o Papai Noel que traz os presentes para você?
– Acho que é…
– Você acredita em Papai Noel?
– Papai Noel?
– Ele existe de verdade?
– Acho que sim…
O pai de Celso, que estava perto, pegou-o pela mão e entraram na loja. Procurei por uma criança que fosse um pouco mais velha e parei perto de uma garota bem vestida, que parecia se de classe mais privilegiada.
– Qual é o seu nome?
Ao ver o microfone, ela ficou muito faceira e respondeu com entusiasmo:
– Cristina.
– Quantos anos tem?
– Oito.
– O que é o Natal, para você?
– Natal é quando Papai Noel vem para trazer uma porção de presentes para a gente.
– Papai Noel existe?
– Bem, tem o Papai Noel de verdade, que vem na noite de Natal trazer os presentes e tem muitos de mentirinha, que ficam nas lojas, por aí.
– E o Natal é só isso?
– Não, tem árvore enfeitada, tem presépio…
– Por que tem presépio?
– Eu… não sei…
– Nunca lhe falaram do menino Jesus, que nasceu numa noite que ficou sendo a noite de Natal?
– Falaram, mas eu esqueci…
Agradeci e segui adiante. Muita gente pela rua, fiquei em dúvida quanto a qual criança entrevistar, então. Numa vitrine próxima, um garoto sujo e maltrapilho olhava os brinquedos, olhava além da vitrine, para dentro da loja e para a porta. Quando cheguei perto dele e perguntei-lhe seu nome, ficou assustado. Pensei que não ia responder, mas olhou outra vez para a porta e disse seu nome: João.
– Quantos anos você tem?
– Sete.
– O que está fazendo aqui?
– Eu… estou só olhando a vitrine…
– O que você acha do Natal?
– É muito ruim.
– Por que?
– Porque todo mundo ganha presente e a gente, não.
– Você nunca ganhou presente de Natal?
– Não. Nós somos pobres, meu pai morreu. E eu, meus irmãos e minha mãe moramos debaixo da ponte e lá não tem Natal.
– Você acredita em Papai Noel?
– Papai Noel? Eu só conheço Papai Noel como esse que tem aí na porta da loja, tocando um sininho todo o tempo.
– E você sabe por que todo fim de ano, como agora, tem Papai Noel, presentes, árvore enfeitada e tudo o mais?
– Não.
– Você já foi à escola?
– Não.
– Alguma vez lhe contaram que Jesus nasceu nesse dia que passou a ser o Natal e que é por ele ter nascido que se faz esta festa?
– Acho que já, minha mãe deve ter contado…
– E você acredita nesse Jesus que nasceu no presépio de Belém?
– Não.
– Por que?
– Porque não adianta pedir um presente de Natal que não vem. Só os ricos ganham…
– Mas João, Jesus nasceu e morreu por todos: por mim, por você, por todos… Ele é filho de Deus, que está aqui e em todo lugar. Ele está dentro do seu coração. Não é porque você é pobre que ele o vai esquecer.
Nisto, sai correndo da loja um outro garoto, de uns nove anos, com um brinquedo nas mãos. Esbarrando nas pessoas, abrindo caminho desesperadamente, chegou à rua, quando na porta apareceram outras pessoas, a correr atrás dele. Mas o menino já estava atravessando a rua e, ao olhar para trás, desequilibrou-se e caiu. Um carro, dos muitos que iam e vinham, não conseguiu desviar e atropelou-o. O trânsito parou e João começou a chorar, gritando o nome do outro garoto e caminhando para o local do acidente. Segui-o. João, chorando, tentou segurar José, que estava muito machucado, agarrado ao brinquedo. Sujou-se com o sangue de José, que ainda teve força para dizer:
– Mano, eu trouxe o teu presente…
João olhou para o irmão, agora inerte, olhou para o brinquedo, quebrado, e depois para mim. E continuou a chorar.