Era tanto o tempo de convivência e conhecimento, que a menina tinha já a impressão de que o barquinho sempre ali estivera. Fazia parte do molhe e da imagem da cidade onde ela nasceu.
Mas, foi de uma pequena semente plantada na terra fértil, que o brotinho surgiu no mundo e viu, pela primeira vez a luz do sol. Nesse tempo, a menina alegre ainda nem tinha nascido. O passar do tempo se incumbiu de fazer crescer e transformar o brotinho numa árvore frondosa, de cujo lenho, com muito trabalho e dedicação, foram construindo o barquinho. O tempo, a dedicação e o amor foram lhe dando forma. Pronto, ele permaneceu por muitos anos, ali ancorado ou, depois, navegando pequenos percursos que sempre o traziam de volta ao seu abrigo nativo. Mas, estava sempre preparado, pronto, aguardando a tripulação que o conduziria a novos portos, mais longínquos, em sua caminhada natural.
Poucos haviam percebido que ele estava ciente, há muito tempo aprestado para seguir seus novos rumos. E foi com imensa surpresa, muita dor no coração que aqueles, a ele mais afeiçoados, perceberam que havia largado os cabos e seguia, velas enfunadas ao sabor dos desígnios do Deus dos Ventos, rumo a seu novo destino: um novo porto, um novo abrigo.
Mais que a menina, apenas seus construtores o amaram com mais intensidade, mas, estes também já haviam partido, provavelmente com a intenção de recebê-lo ao fim desta viagem. E a pequenina ficou ali, sozinha, acenando o lenço em direção àquelas velas brancas que iam sumindo no horizonte azulado.
Tão intensa sua tristeza, tão torrenciais as suas lágrimas, que ela nem se apercebeu da chegada de Ptolomeu, que vinha desculpar-se e dar-lhe novas esperanças.
“Criança, eu estive enganado, a terra é redonda. Tenha paciência! O reencontro é inevitável”!