Há muitos, muitos e muitos anos atrás nasceu um querubim. Seu pai era grego e a mãe, mestiça afro-indígena brasileira.
Nasceu como todas as outras crianças, sem asas. Precisou que cuidassem dele como todas as crianças precisam ser cuidadas. Por ser tão lindo e meigo a mãe quis chamá-lo de Amorzinho, mas o pai, como bom grego, preferiu o nome Eros argumentando que se não fosse o nascimento do menino o casamento deles estaria desfeito, mas, como o deus grego, seu filho tinha posto ordem ao Caos. Com o nome de Eros ele cresceu sem que sua mãe ficasse satisfeita em chamá-lo assim, por isso continuou a chamá-lo de Amorzinho, o que muito irritava o pai.
Pequeno ainda, começou a estudar. Ficava horas infindáveis agarrado aos livros que não faltavam em sua casa. De presente só queria ganhar livros. De tanto ficar estudando sua saúde foi ficando debilitada e começou a preocupar seus pais. O médico consultado disse que era preciso afastá-lo dos livros que tinham se tornado uma obsessão, melhor era levá-lo para o campo, afastá-lo das bibliotecas. O ar puro só iria lhe fazer bem.
Eros foi. Como era muito obediente não deixou que sua tristeza fosse notada pelos pais e como tinha boa memória não esqueceu o que tinha aprendido. Começou a caminhar e notou crianças no campo que não sabiam ler nem escrever e nunca tinham visto um livro. No começo não podia compreender como com crianças iguais a ele isso podia acontecer, depois resolveu contar para elas tudo o que tinha aprendido nos livros. Sentava-se com as crianças na relva depois de terem corrido pelos campos, chupavam frutas, comiam doces que os camponeses lhes traziam e ali os ia ensinando.
Foi por essa época que sua mãe, ao o ajudar a colocar um casaco, percebeu uma protuberância em suas costas. Assustada chamou o marido e esse a sossegou dizendo que era a saúde voltando: Eros havia engordado. Roupas alargadas, não falaram mais nisso e quando voltaram para casa o assunto ficou esquecido. Quando as crianças foram despedir-se dele percebia-se nas costas delas protuberâncias iguais às dele.
– Adeus, adeus professorzinho! Elas gritavam.
O que os pais não sabiam é que a protuberância nas costas de Eros era formada por uma quantidade enorme de pequenas asas. Cada coisa aprendida, uma asa nascia. Desse modo Eros voava quando bem entendia. Quanto mais voava mais aprendia e quanto mais aprendia mais asas nasciam. Tornou-se um adulto forte, bonito sem nunca despir-se na presença de quem quer que fosse, tinha medo que descobrissem suas asas e fosse proibido de usá-las.
Tornou-se professor, ensinava a ricos e pobres mas preferia ensinar a esses últimos e quando seus alunos aprendiam ele perdia uma de suas asas para eles. Outra tantas nasceram e outra tantas foram dadas. Chegou um tempo em que todos os professores tiveram asas. Suas asas eram sinal de sua liberdade, de sua distinção. Voavam quando queriam, levavam seus alunos para um lugar lindo chamado Mundo do Conhecimento.
O tempo passou, passou e passou. Um bruxo mau, chamado Sistema, proibiu para os pobres, as asas dadas por Eros. As asas foram murchando, apodrecendo, até que um dia não nasceram mais e eles não tiveram mais asas para dar, nem puderam mais voar .
O Caos voltou, Eros havia morrido…