1. Les Miserábles, em São Paulo. Não vi e não gostei. A VEJA, revista do grupo Civita, um dos donos do teatro onde a montagem é realizada, gastou laudas e laudas de louvor à produção. A mim parece piada e de muito mau gosto este tipo de crítica completamente associada ao produto cultural. Com aquele sofisma classe-média de sempre, a Veja quis me convencer a ir a São Paulo para ver um musical, sob o argumento de que haveria, sob a camada de superficialidade das novelas e do teatro fallabeliano, gente muito boa no teatro brasileiro. Nos dizeres da revista, gente que sabe interpretar, cantar e dançar. Um prodígio de coordenação motora, não?
2. Uma das filhas do Garrincha, num programa popular, vem reclamar, 20 anos mais tarde, o dinheiro de uma partida beneficente realizada no Maracanã para a recuperação do seu pai, então em estado terminal de alcoolismo. Para quem leu a biografia de Ruy Castro, Estrela Solitária, fica patente que o dinheiro foi praticamente todo ele bebido por Garrincha. A parte que lhe coube, claro, porque os Euricos da vida sempre existiram no futebol brasileiro. Como sempre, contudo, a menina quer pôr a culpa em Elza Soares. Desgraça pouca é bobagem?!
3. Elza, aliás, tem uma das melhores vozes de nossa música. Porque foi um escândalo seu relacionamento com o Mané, acabou excluída de nossa “elite musical”. Por isso e também porque não se rendeu ao Wave, aquela coisa banquinho-e-violão, e tampouco se entregou à Máfia de Dendê, consolidada pela dupla Gal e Bethânia. Para quem ouviu seus discos mais recentes, contudo, nos agraciou com interpretações vorazes e voluptuosas de sambas da gema. Não conheço nada parecido com Elza Soares hoje em dia. E imagino uma dupla virtualmente perfeita: Elza Soares e Clementina de Jesus, cantando músicas de Noel Rosa. Ah, vou-me embora para Pasárgada.
4. Aos pobres mortais, que não têm acesso à TV a cabo, passou incólume os 100 anos de um dos maiores de nossos poetas: Murilo Mendes. Criado na melhor das escolas literárias brasileiras, a mineira, que nos rendeu nomes como Rubem Braga, Drummond, Sabino, Paulo Mendes Campos, além de todo o arcadismo, Murilo Mendes produziu uma das obras mais impressionantes que já li: Os Discípulos de Emaús. A meio caminho entre a prosa, a poesia e a filosofia (ou seja, numa quase-encruzilhada), Os Discípulos de Emaús hoje está fora de catálogo. Precisa dizer mais?
5. Maravilhas da Internet. Por mais que se fale mal da tecnologia, tenho de me render a seus encantos quando, por exemplo, consigo comprar, antes da maioria dos poucos brasileiros que o conhecem, o novo livro de António Lobo Antunes, lançado em setembro na França (em Portugal chega sempre atrasado). Assim completam-se três os títulos de defasagem com relação ao que o autor lançou já na Europa. Pena. O livro, intitulado Não Entres Tão Depressa Nesta Noite Escuta (Publicações Dom Quixote, R$ 58, se comprado pela Internet, na FNAC), não é considerado pelo escritor como um romance, mas como um poema.
6. Por sinal, hoje em dia, quem é que fala poema? Odeio a palavra poesia. Soa-me como versos de boteco, coisa feita às pressas e sem responsabilidade nenhuma com a irresponsabilidade bela da arte.
7. A Folha de S. Paulo, naqueles seus arroubos de genialidade que não passam de intelectualoidismo crônico, resolveu eleger as melhores músicas brasileiras do século passado. Deu Tom Jobim com Águas de Março. O resto foi previsível: Chico Buarque, Caetano, Gil. Meu espanto se deu por conta da presença de um nome: Jorge Ben Jor. As ausências, melhor não enumerá-las. Quero dizer, melhor enumerá-las, sim: nada da velha guarda. Ary Barroso, acho, aparece com uma música, e não das melhores. Minha pergunta merece um ponto-de-exclamação, porém, quando penso: e Adoniran Barbosa?!
8. Não tem para James Joyce nem para Kafka nem para Borges. O nome da literatura mundial do século XX é J. R. Tolkien. Isto mesmo. O autor da trilogia O Senhor dos Anéis (que não li, ainda) é considerado por muita gente séria (e muito babaca oportunista também) o maior escritor de todos os tempos. Inventor de um mundo com leis físicas próprias, com linguagem própria, e dono de um estilo que, dizem, é melhor do que qualquer mistura de Kafka e Borges, seja pela fantasia, seja pelo medo, seja porque seja, o lobby em favor de Tolkien vai ganhar um impulso no final deste ano com o lançamento do primeiro filme da série baseado em sua obra. Aliás, filmar a trilogia consumirá 3 anos e singelos US$ 300 milhões. Para quem se interessar a Martins Fontes resolveu lançar os três livros da série num único volume, a módicos R$ 75 (ou sete idas e meia ao cinema!).
9. Os puristas começam a se agitar já. Tudo por causa do blockbuster Pearl Harbor, que por aqui estréia dia 1º de junho. Não vejo por quê. É claro que o filme estará cheio daquela patriotada que, em português, mesmo que em legendas, nos soa meio como hieróglifos. É claro que haverá beijos estonteantes (o lugar-comum é proposital) em meio às bombas. É claro que haverá muitos efeitos digitais. E é claro que haverá muito abafa-abafa porque o filme é da empresa mais politicamente correta do planeta, a Disney. Ainda assim, já estava na hora de fazerem um filme bom sobre o assunto. Sei que vocês devem estar se perguntando: “Mas e From Here to Eternity”? Bem, neste filme o enfoque é outro. Os americanos tinham ódio de Pearl Harbor, o mais promíscuo dos portos da Marinha americana. Há muito para se falar sobre Pearl Harbor, muitos erros que a história mantém viva porque lhes convém. Como por exemplo a questão da infâmia. Para nós, ocidentais, um ataque “pelas costas” é considerado algo absurdamente covarde. Para os orientais, contudo, o que importa, na guerra, é a vitória. Quem me avisa deste choque de culturas é Rodrigo Apolloni, que se vivesse na primeira metade do século seria um grande estrategista militar. Como vive na segunda, é tão-somente um grande colega de trabalho.
10.Perguntinha: quando é que farão um bom e grandioso filme, ainda que de amor e cheio de patriotada, como Titanic e este Pearl Harbor, envolvendo a Bomba Atômica lançada sobre Hiroshima e Nagazaki?