Se eu estivesse procurando silêncio e privacidade não estaria sentado aqui nesse banco, em pleno centro da cidade, como faço sempre. Acontece que tenho uma estranha necessidade de movimento e
alegria em minha volta para poder pensar. É estranho, mas é possível que possa acontecer com vocês também. Não digo que seja sempre assim. Não! Mas hoje… Hoje é um desses dias. Se pudessem me ver,
perceberiam que estou bem relaxado. Quase deitado no banco, com meus braços abertos engatados no encosto, pernas separadas e ocupando o espaço da frente. Se alguém passar muito perto, com certeza vai tropeçar nos meus pés. Mas está tão bom assim! Giro a cabeça de um lado para outro, meu jornal no colo pode até voar e se desfazer ao vento que não esboçarei reação. É até uma posição inadequada para um senhor, assim de cabelos brancos, vivido e que já fez tantas escolhas na vida. Mas adoro essa postura meio mal educada.
Pronto! Assim estou melhor que em qualquer divã de um psicólogo. Minha mente começa a navegar, chegando ousada em todas as mais perigosas fronteiras.. Se você conseguir criar um momento como esse, sentirá o sangue divino correndo em suas veias. Hora boa, pra rastrear todas as estradas que trilhamos no passado e que nos conduziram até aqui. Conseguimos parar novamente nas encruzilhadas…
Um caminho para a esquerda; outro caminho para a direita; ambos sorrindo com cara sarcástica para nossa ingenuidade pueril. Acabamos escolhendo um deles e jamais poderemos conhecer as mazelas e felicidades que o outro ofereceria. Caminhamos até a próxima e novamente aquele sorriso amarelo se oferece abestalhado pra você:
– E agora? Qual você quer? Esquerda ou direita?
Claro que nesta altura, já acumulamos uma experiência de escolha. Até arriscamos algumas perguntas:
– O que vou encontrar indo para direita?
A gargalhada é desconcertante, porque só vai parar quando você se irritar e pegar logo o da esquerda… Ou da direita… Só assim sentirá o alivio por não ouvir mais aquela diabólica reação. E lá vamos nós em direção à felicidade…. Não! Na realidade lá vamos nós em direção a mais uma encruzilhada.
Já sabemos que escolher qualquer coisa é imprudência. Já sabemos que fazer perguntas ao destino, merece a repreensão da ironia mais indiscreta já vista. Acontece que a encruzilhada está ali, insistente e
novinha em folha, bem na nossa frente, com o olhar maldosamente indagador:
– Como é, meu jovem, isto é, meu senhor? Vai decidir, ou não?
Claro que já nos tornamos um senhor respeitável, ou uma respeitável senhora e talvez até poderíamos arriscar perguntas, mas não temos mais figura para nos submeter a novas gargalhadas. Estufamos o peito, com um pretensioso ar de experiência acumulada que dispensa perguntas e lá vamos nós, firmes para a direita.
Primeiros fios de cabelos brancos colecionados ao longo do caminho. Rugas se acumulando, com o recado muito claro:
– Tome cuidado! Você não tem mais tantas escolhas assim, senhor!
Tentativa de disfarce com tintas milagrosas; sonhos pitanguísticos; adesão à uma moda extemporânea e falsamente rejuvenecedora… Vãs incursões de retorno às forquilhas do passado. Nada disso acontece mais. Agora é enfrentar mais algumas decisões nas encruzilhadas, misteriosas e estressantes encruzilhadas, sempre dispostas a um cheque-mate festivo.
– Olá, meu enrugadinho! Puxa, seu cabelo está branco mesmo, hein! E então? O que vai ser hoje? Direita ou esquerda?
Deixei o destino falando sozinho, com expressão abobalhada e frustrada. Passei direto. Nem ao menos disse bom dia! Quando esboçou “Olá”, eu já tinha passado… Forcei-o a ficar ouvindo minha gargalhada sumir em direção a uma nova encruzilhada.