A conversa andava no décimo andar de cá pra lá, frouxa, gostosa. La pelas tantas, alguém com ar de profunda felicidade fez um discurso imenso sobre a maturidade e o amor maduro, tranqüilo, sereno. Fiz um esforço quase desumano pra ficar calada e fui escutando, a significância do amor maduro, do companheirismo, da convivência harmoniosa, isso e aquilo, aquilo outro, até que, finalmente, para meu total desespero o “the end” da discursada toda acabou comigo: afinal somos todos crescidinhos, adultos, quarentões e cinqüentões e está na hora de compreender o amor “lato senso”.
Cada dna meu (acho que tenho muitos) fluiu feito um vulcão, os meus “brios” desandaram a todo vapor, escorrendo pelos dedos, pela garganta, pelos olhos, não deu pra segurar, chamei o time do Jabaquara inteirinho em campo, xinguei o juiz, o bandeirinha, a torcida, rasguei a bandeira, bati as tamancas, rodei a baiana.
__ “Lato senso”, o amor “lato senso”, quando? O que é isso no amor? Amor maduro? O que significa amor maduro? Meu Deus, vou falar com o meu coração, minha alma, um minuto, por favor, silêncio: psiu alma, viu coração, ei emoção, sou madura viu? Passei dos quarenta, to chegando nos cinqüenta, agora vou amar amadurecida! Feito uma fruta? É isso, ou uma flor passada do galho? Meu amor , a força do meu amor subordinado as veias azuis, varizes, menos cabelos, uma barriga mais pronunciada, umas pelanquinhas aqui e ali? A coerência da vida, ao entrosamento que só a maturidade traz? Compreender o quê?
Aquela reunião tranqüila, serena, de “adultos”, transformou-se numa baderna total, falta de respeito, todos falando ao mesmo tempo… me afastei e fiquei ali, parada olhando… com um cheiro de mofo na alma.
Já estava saindo, quando ao mais “maduro” dos palestrantes me olhou com desdém e perguntou:
__ Botou fogo no circo e sai correndo?
__ Vou sim, a 180 por hora, direto pro jardim de infância da Vida, quero sofrer, chorar de saudade, brigar , ter ciúmes, desligar o telefone abruptamente, não atender a campainha e sair correndo depois, rasgar em mil pedaços uma fotografia e ficar horas colando de novo, dizer que nunca mais e no minuto seguinte: pra sempre, achar que uma hora de espera significa a eternidade e outra hora de encontro, um lapso de milésimo de segundo. Que sou feia , mas que posso ficar bonita. Falar feito um papagaio e ficar muda sem fala, sem palavras, sem argumentos, sem senso, nem lato.
Parei por ali, o elevador me salvou.
Chovia lá fora, uma chuva fina, e percebi que chorava com a chuva, do mesmo jeito, fininho, corridinho. Busquei a janela do décimo andar e ainda vi alguns vultos, fantasmas…
Andei mais um pouco e voltei a olhar de longe quando vi, com esses olhos que a terra há de comer , esgueirando-se entre as nuvens carregadas, naquele céu de um azul quase pretinho, a lua , teimosamente romântica.
Fazia tanto tempo que nao pulava “amarelinha”! Pulei uma enorme, virtual apenas na aparência e me ofereci pra chuva, sem choro nem vela, de mão-beijada.