Três horas da tarde. Quinta-feira, vinte e dois graus. Não me peçam para revelar o mês, ou a estação, ou em que ano estamos. São dados irrelevantes agora. Nada urgentes.
Nesse exato momento, eles estão aqui na minha frente, a poucos metros e não posso perder nenhum detalhe. Não me vêem e talvez nunca virão se sentar ao meu lado. Eles não têm tempo para aquietar o espírito num banco de praça. Estão alvoroçados nos seus quinze a vinte e tantos anos. Um olhando para o outro e maravilhados com a visão, nada mais percebem.
Se puderem, olhem para onde estou olhando agora e sintam o fascínio que explode neles, pelos excitantes mistérios que precisam desvendar. É isso que produz essas expressões maravilhosas, nos olhos, na pele, nos sorrisos, nos gestos…
Não posso ver algumas coisas, mas posso deduzir. Posso entender, mas não devo aconselhar. Nós, os pais, não devemos jamais quebrar, indelicados, a solidão de seus quartos. Antes de virem para a rua, trocar mistérios, eles precisam ficar um pouco sós. A música estonteante vai ferir os ouvidos de todos, mas eles precisam dela, exatamente assim, no volume máximo. Não tente explicar esse paradoxo. O que eu posso dizer é que esse é o recurso para que possam ouvir o que está dentro deles, fervendo, mas sussurrando. Para ouvir lá dentro, precisam apagar um pouco o barulho do mundo. O barulho do mundo impede que ouçam os sinos internos. Daí a necessidade de se colocar o som no último volume. É no volume máximo que o mundo exterior entra em colapso e silencia. Silenciando, eles podem ouvir esses murmúrios. Não quebrem esses momentos. Agüentem. Compreendam.
Se os estrondos da sua música for impedido, apelarão para outros recursos, até mais violentos. Veja nossa imbecilidade: condenamos as drogas, e ao mesmo tempo estimulamos seu uso. O jovem precisa ouvir o seu interior e se não pararmos de tagarelar, eles vão nos silenciar, de qualquer modo. As drogas são ótimas pra isso!
Aprenda a ler esses cristais sem quebrá-los. Não interfira! Compreenda! Para compreender basta ter a capacidade de retroceder no tempo e sondar nossa alma em busca das respostas que não tivemos. E não tivemos porque nos interromperam. E interrompendo nos deixaram jovens incompletos, adultos frustrados, velhos inconformados. Não interrompamos os jovens com essas teorias pedagógicas e psicológicas feitas por adultos frustrados. Não fomos e não somos capazes de fazer a leitura correta do que se passa nas alamedas inexploradas da alma jovem, e assim mesmo, queremos teorizar sobre ela em cima de nossas frustrações, e impor a eles nossas magias, urdidas na calada dos nossos laboratórios envelhecidos.
Agora eles estão aqui na minha frente, reunidos num alarido incompreensível. Se você chegar lá perto, tudo se interrompe. Tudo se trinca! Não se zangue se ouvir, à boca pequena:
– O que esse babaca tá fazendo aqui?
Bem feito pra você. Perca essa mania de que só você pode ajudar os jovens. É você que acha que eles precisam ser conduzidos, educados… Não é nada disso! Nós somos grosseiros e não sabemos nunca a hora e o modo de nos aproximar. Impomos o momento e quebramos o encanto. Ao quebrarmos o encanto, tudo se perde. Fazemos isso com uma insensatez despudorada, sem perceber a delicadeza da alma jovem. Precisamos ficar de longe, como estou agora, observando. Haverá o momento certo de se aproximar, de compreender. Entretanto, não fazemos nada disso e agimos usando um trator enorme e bruto, para plantar uma flor. Matamos a flor e depois a culpamos por isso. Lá de cima de nosso trator pedagógico, cheios de cursos, de doutorados e quetais, cheios de compêndios e manuais, ainda temos a desfaçatez de dizer:
– É! Essa flor não tinha futuro, mesmo.