Banho de Água Fria

Eu sei, hora de tomar banho. Hora de tirar os sapatos, as meias, as roupas, jogar o chicletes… e me entregar a individualidade do banho. Ver a imagem refletida no espelho, no azulejo e em cada canto da parede. Que coisa mais narcisista e ao mesmo tempo tão terapêutica! Não é de hoje que as deusas faziam do banho uma terapia particular. E por que não eu, reles mortal?
Posso passar horas numa banheira, sem um livro sequer, sem mesmo uma música para ouvir, só esperando que as horas se passem e surjam depois dela, outras horas iguais. É uma maneira de ficar a sós comigo mesma, de me cuidar um pouco. Sempre me preocupei mais com os outros. Em cuidar dos outros, em ver os outros felizes…
Tarde úmida essa. Gotas de águas brilhantes escorrendo sobre os meus cabelos. Posso ver a vida. É preciso nascer da água. “Aquele que não nascer da água e do espírito não pode ver o reino de Deus.” Às vezes acho que Deus é tão complicado, às vezes acho que ele é simples como um menino e fica tentando brincar comigo. E eu tão cheia de crenças não percebo. Deus deve se dar muito bem com aqueles que têm a insuficiência da inteligência, que pensam sem prestar atenção ao pensamento e não têm nenhum interesse em comprovar nada cientificamente, crêem e pronto. Quando a curiosidade é mais intensa, fazem aquelas perguntas infantis que, talvez, faça Deus sorrir, não por zombaria não! Há casos em que as perguntas são mais importantes que os atos. Pelas perguntas Deus vê o coração. E eu, que já aprendi os rituais, fico aqui me repetindo em orações. Repito várias vezes as mesmas palavras, como se Deus fosse incapaz de ouvi-las na primeira vez ou se na repetição eu acabasse por convencê-lo a me ouvir. Oh, céus! Sinto que as palavras vão perdendo o significado, vão ficando ocas com som retumbantes… às vezes ficam murchas, organizadas na forma mais amorfa das estruturas lingüísticas, um bagaço de si mesmas.
Vejam onde vim parar, nem era essa a minha proposta de hoje. Queria falar sobre o banho, sobre as deusas… não estou sendo nada profissional. Acho que não sou mesmo. O profissional escreve porque precisa. Eu escrevo porque quero, porque gosto, porque me dá prazer. E o fato de não ter que obedecer às regras profissionais me dá a liberdade de não saber o que vou escrever na próxima linha. Como por exemplo agora: o que vou escrever? Se eu fosse uma profissional, com certeza, já estaria atingindo o ponto máximo do texto, já teria atingido o orgasmo das letras. Seria a letra “G”? Oh meu Deus! Quanta besteira. Uma profissional não diria isso, mas também perderia essa parte inventiva, esse espontâneo que ocorre na mente da gente e nos faz todos iguais: “Penso, logo existo”. E, existo, logo, escrevo. A escrita é o meu refúgio. É o meu banho virtual. É aqui que eu me olho atentamente e me deixo sonhar com outros banhos. É aqui que lavo a alma e sinto saudades do que não aconteceu nem nunca acontecerá. Sinto falta do que não tive nem nunca terei. Sinto-me humilde por não merecer mas sinto-me privilegiada por poder brincar com as palavras dentro de uma banheira de água, embora, o leitor possa estar considerando tudo isso, um verdadeiro banho de água fria.