Passa horas e horas namorando e ouvindo os discos de vinil. Nas infinitas prateleiras, aloja criteriosamente bandas progressivas dos anos setenta, a ingenuidade dos anos 50, os mestres do Blues de todos os tempos e o que mais foi gravado de bom nas últimas décadas. “Disco ruim, só a três quadras daqui”, costuma dizer. Cultiva longos cabelos desde os vinte anos, bem antes de a calvície aniquilar o topo de sua cabeça. Legítimo remanescente da geração hippie, é uma espécie de irmão espiritual de Wood & Stock, personagens de Angeli.
Hipnotizado pelas frases viscerais da guitarra de Ritchie Blackmore, demora a perceber a filha puxando-o pela camisa. Tira o fone de ouvido e escuta.
– Cyro, qual é a diferença entre adorar e amar? – pergunta Bianca por trás de seus dez anos e de seus óculos de lentes espessas. A aspirante a filósofa nunca chama o pai de pai.
Cada vez mais freqüentes as perguntas esquisitas da filha, ele ainda se espanta. Pensou, pensou. Um jeito que Bianca, acostumada a curtir música com ele desde sempre, por certo entenderia.
– Filha, adorar a gente adora os Rolling Stones. Mas amor, amor mesmo, é o que a gente sente pelos Beatles.