Hoje ao entardecer, da sacada de meu quarto, comtemplava o céu. Não era possível avistar a serra da Mantiqueira. Apenas as árvores, em seu verde variado, recortavam-se contra o horizonte. O céu plúmbeo anunciava forte chuva de quase verão. As nuvens cinzentas com matizes de gelo e de rosa muito claro, carregadas de umidade, ora avolumavam-se ora dispersavam-se. Logo vi-me como que no interior daquelas nuvens e me senti docemente acariciada – um intenso bem-estar invadiu todo meu ser… Imersa em seu frescor quase não percebia os pingos grandes e pesados da chuva que começara a cair, para refrigerar a terra e fecundá-la, rompendo a vida no invólucro das sementes.
Precisamos tanto dos dias de sol quanto dos dias de chuva. Esses dias cinzentos, nublados ou chuvosos remetem-nos à característica feminina de toda a creação. O dia nublado ou chuvoso que nos traz a sensação de aconchego e intimidade, assim como os dias frios, revela-nos o aspecto yin dos ciclos naturais, da mesma forma que o dia ensolarado nos convida ao movimento e à expansividade, reveladores, por sua vez, do aspecto yang da natureza da qual fazemos parte de modo inexorável.
Contive-me para não sair correndo de casa e receber em meu corpo quente o toque frio e refrescante da chuva que, estendendo-se por algumas horas noite a dentro, excitava minha memória sensorial, evocando sensações de uma época remota, quando eu era senão uma mulher – apenas uma mulher, úmida e acolhedora, naturalmente consciente de seu papel no mundo, fazendo refletir no exterior sua vida interior rica de profundos saberes, da tranqüila alegria de viver e de amar plenamente.