De Oscar Wilde À Lixeira

Não sou moralista, pelo contrário, sou muito liberal. Isto não significa ter que aceitar qualquer empulhação, qualquer necedade, disparate, baboseira como talentosa, justificada pela via do moderninho ou pela filosofia do combate ao falso moralismo.
Já li belas poesias sobre amor, paixão e mesmo erotismo. Há pessoas entretanto que confundem erotismo com pornografia. Neste caso eles estão mais para a erotomania do que para a sensualidade. Esta é saudável mas o exagero ou delírio dela, ou por ela, pode caminhar no sentido do doentio, do mórbido.
Usar a pornografia, o escracho, palavras chulas ao escrever é, via de regra, escassez ou falta total de vocabulário. Pode também significar um profundo mau gosto e aí o autor, até sem perceber, às vezes, envereda pela grosseria, indelicadeza, e pelo obsceno mesmo. Quem assim verseja pode até ser chamado de poeta por alguns simpatizantes, mas eu o chamo de poetaço. Não, amigos, não o estou elogiando.
Há quem culpe sites da internet por permitirem trabalhos que, além de nada acrescentarem culturalmente, disseminam uma certa anti-cutura. Já li coisas que são péssimos referenciais àqueles que estejam procurando, na telinha, uma leitura norteadora, um aprendizado, já que sentem em si um potencial para a poesia.
Se há sites que selecionam os trabalhos a serem divulgados outros, por estilo, deixam a porta aberta permanentemente. Não critico nenhum dos procedimentos, acho que cada um tem o direito de trabalhar como achar melhor. Os sites mais abertos facilitam realmente a entrada de alguns “vírus da anti-cultura”, digamos assim, mas não se lhes pode imputar culpa ou responsabilidade.
Quem escreve e inscreve trabalhos nesses sites é responsável por seus atos, até em supostos casos de plágio, um crime previsto em lei. Quem os freqüenta, em vez de pedir censura, deveria fazer, isto sim, a sua própria seleção e não ler o que não lhe interessa. Assim fazemos nas Livrarias, não? O lixo cultural se esvazia sozinho sem promoção. Falar dele, puxar questão, criar polêmica é dar força a quem, culturalmente falando, possa ser um zero à esquerda. Façamos a nossa contra-partida com seriedade e talento.
Aliás o título dessa crônica surgiu naturalmente de uma troca de mensagens entre mim e o amigo Fernando Tanajura Menezes, excelente escritor e poeta já consagrado. O assunto era o mau uso da liberdade desses espaços democráticos que o Tanajura muitas vezes compensa com citações de excelentes autores como OSCAR WILDE, ou com trabalhos de sua própria autoria. Foi ele quem até sugeriu que aquela minha citação daria ensejo a uma boa crônica. Aceitei, agradeci e adotei a sugestão dele. Se está boa não sei.
Pois podem se estarrecer com esta informação verdadeira que extraí do excelente jornal ALTERNATIVO, de outro amigo e talentoso escritor, o Francisco Filardi: Em concurso de certa Academia de Letras de Portugal foram desclassificados do certame, nas várias categorias, inúmeros trabalhos oriundos aqui do Brasil. Pior, o motivo: por utilizarem linguagem obscena – TROVA: 14 (todas do Brasil); CONTO: 58 (todos do Brasil); QUADRA OBRIGADA A MOTE: 06 (todas do Brasil); SONETO: 01 (do Brasil). Ainda houve mais 13 eliminações, também de autores brasileiros, “por serem provocações à Academia”. A crônica podia até terminar aqui com um minuto de silêncio.
Em outubro do ano passado, no Dia do Poeta, realizava-se em Cabo Frio o Maior Varal de Poesias do Mundo. Eu nunca vira nada igual. Mais de 5000 poesias. A maior parte de estudantes. O realizador, o poeta Mauricio Cardozo, meu amigo, também é professor e obteve maravilhosa participação das Escolas locais. Colaborei com 36 poesias. Alguma repercussão? Apenas local e mesmo assim bem discreta. Uma injustiça com o Maurício, um desrespeito com a poesia, um acinte com a literatura brasileira.
Foi uma festa linda. O belo Canal de Itajuru estava emoldurado de poesias num imenso varal por alguns quilômetros. Se acontecesse em país da Europa teriam transformado um evento daquela magnitude num acontecimento de promoção nacional, com certeza. O encerramento se deu à noite com uma programação festiva bem variada. Mas, e a pornografia? Bem, chegou mais tarde. Apresentaram-se dois convidados, vindos de longe, dois poetas. Não os conhecia.
Um deles leu belas poesias suas e de outros autores, cumpriu bem o seu papel. O outro ocupou a maior parte do tempo que lhe coube fazendo-nos ouvir um trovejar de palavrões, um relampejar de gestos para realçar o que as palavras chulas, ditas muitas vezes em tom de voz mais elevado, já despencavam sobre nossos ouvidos atônitos.
Ele até diria que foi aplaudido com entusiasmo. Claro, por uma garotada de Colégio que queria era mais, porém merecia um exemplo melhor.
O curioso é que o referido poeta, ao que apurei recentemente, é talentoso, possui excelentes poesias, algumas num campo que muito me seduz e que escrevo também, o da problemática social. Ora, por que então não exibir o seu verdadeiro talento? Afinal ele estava em público, numa rua com restaurantes e casas de família à volta dele, pessoas que não tiveram escolha. Entenderia se aquilo se passasse num teatro onde quem vai assistir fez uma opção pessoal. Perfeito, nada a reclamar.
Naquele dia eu, minha esposa e uma amiga que nos acompanhara, o condenamos com veemência. Hoje posso dizer até que o desculpo, pelo que já conheço de sua obra e porque sei que não é um oportunista ou um lascivo vulgar, não, trata-se realmente de um poeta competente. Só não posso é absolve-lo por aquele episódio. Ali ele foi inconseqüente. Lembro que a maior parte do público era constituída de jovens e crianças.
E para terminarmos para cima digo que cheguei a pensar que se Oscar Wilde estivesse ali presente, mesmo na sua liberalidade de pensamento, sem renunciar a sua educada serenidade, sem abdicar de sua fleuma, provavelmente a ele se dirigiria assim: “Senhor, peço sua permissão para atirá-lo às águas do Canal de Itajuru. Ao Prefeito apresentarei minhas desculpas por tê-las poluído.”