Hoje vi uma pessoa desconhecida, mas que me lembrou outra pessoa que eu conheci anos atrás. Tinha o mesmo sorriso, a mesma tez branca, o mesmo porte, o mesmo corte de cabelo, a mesma altura, a mesma boca e outro conjunto de coisas que me dispuseram a fazer tal comparação e que me fez uma delas lembrar da outra pessoa que eu conheço.
E esta pessoa que eu conheço, e hoje fui me lembrar, não é que quando a conheci também me fez lembrar de outra pessoa que eu conhecia tempos ainda mais distantes? Costumo estranhar, e bastante, esta cadeia de semelhanças que desenho e percebo entre as pessoas que eu conheço, ainda mais neste mundo tão populoso e cheio de gente. Gente saindo pelo ladrão, saindo pela ladeira, saindo de uma enorme van, brotando de um par de lugares, sem eira nem beira, se esparramando e ocupando os centímetros mais ínfimos e quadrados deste mundo que insiste em bailar no verso e no reverso do Sol, e ainda, carregando sua Lua louca e solidária, que baila, baila, baila.
Eu temo às vezes em acreditar num único Deus para tanta gente. É melhor que exista esta multidão de deuses que invadem o nosso imaginário geral e se traduzem em tantas religiões. Não acho positivo e nem passível de uma possibilidade generalizar algo, cristalizar um senso comum no seio desta multidão de seres humanos. Multidão da qual, nós, além de inseridos, participamos cada vez mais da rota que se persegue, e que ai sim, pode ser cada vez mais comum e afastada de um poder de decisão, de para onde tudo pode caminhar.
Quiçá, digo assim por gostar tanto desta palavra, fosse eu um pouco mais desprendido de mim mesmo, mas não consigo. Procuro sempre, ser tão particular e encontrar em tudo o que vejo, vestígios do que já vivi. Transferindo assim em pessoas de um determinado lugar o que eu vi em outra pessoa de um lugar distante, num tempo diferente. Fico tentando particularizar esta minha vida minúscula neste universo imenso. Tento fazer do mais amplo possível, algo passível do domínio do meu entender, e assim pretendo ser o que aspira a arte para produzir palavras que encante ou que apenas faça pensar. Mas que não fique jamais o pesar, o pesar do mundo já tem tantos que o carregam, são desde as mais minúsculas formigas, incansáveis no seu trabalho sem domingo e nem feriado até outros tantos deserdados de qualquer esperança de ter algo próximo do que julgamos próximo de um valor de julgamento, ser digno à espécie humana.
Acho que é por tudo isto que eu queria ser um passarinho. Não os que vivem em gaiola, é claro, falo dos que vivem soltos por aí, espalhados em grupos, aos montes nos planos espaços do meu cotidiano. São estes que eu invejo, os pássaros que ciscam no jardim do pátio onde eu trabalho, que ciscam e cantam nos telhados onde eu vivo, sobrevoam as árvores, pousam nela, povoam os mais diversos fios, pousam sobre postes, sobre a areia da praia, sobre carros, fontes, o que for. Além de serem livres e descolados, lhes digo, nada mais do que eles me parece hoje ser o retrato fiel de uma vida feliz. E melhor que isto, muito melhor que isto, podem ter certeza, possuem a admiração de todos. Pois também, possuem a graça.
Ah, eu queria ser um passarinho, com certeza!