“Olha em relevo, estes sinais em mim, não das carícias (tão leves) que fazias no meu rosto: são golpes, são espinhos, são lembranças…”
Carlos Drummond de Andrade
Ele ia de um lado ao outro, se misturando naquele frenesi de pessoas, fingindo outras preocupações, procurando enganar o inevitável desconforto de estar perto dela. Era uma circunstância nova aquela, não conhecia as conseqüências, não sabia o que ela pensava, não queria deixá-la numa situação pior do que ele já havia criado, ao ter-lhe feito a revelação.
Revelou num momento tão estranho, quando entre tantas frases estranhas, soltara algo como: “você sabe, já entendeu tudo, não quer acreditar, é isso ? Não quer acreditar…”. Titubeou, pensantivo, ciente de que dera margem à interpretação correta – e que ele não queria -, esperando receber um: “você não sabe o que diz…”, “você confundiu tudo…”. Mas ela: “do que você está falando, meu Deus ? …”. Nesse instante, quando faltaram as palavras ambíguas, não havia mais nada, além da verdade, que pudesse ser dito.
Durante um ano todo ele tentara disfarçar ciúmes, amando-a sofregamente, se esquivando daquele olhos-nos-olhos, porque aquele brusco sentimento não era facilmente reprimível. Estava nos gestos, nos pequenos charmes, nos tímidos elogios, nos silêncios… Os suspiros ele desfazia no ar, não dando tempo para que ela percebesse o quanto suas mãos estavam nervosas, as pernas trêmulas, os olhos desconcentrados de tudo, o tato, o olfato, a vida, o seu mundo em turbulência, numa insensata vontade de correr…
Agora ela sabia que ele estava sofrendo por ela, e ela sofria por causa do sofrimento dele. Observava-o de longe, com vontade de ir consolá-lo, de dizer apenas que “foi lindo… tudo tão lindo, obrigada…”. Mas não teve coragem. Sentiu medo por encontrá-lo com a tristeza estampada nos olhos. E via que ele continuava o seu andar sem sentido, a se desvencilhar daquilo que já estava feito, achando ingenuamente que ninguém notara sua inquietação. Ele ainda teve uma breve vontade de aproximar-se dela, para dizer-lhe que não se preocupasse, que a vida é assim, todos nós sabemos como são as nuances da vida, os desencontros, as explicações absurdas, as máscaras, as inseguranças, as lágrimas que secam, as marcas eternas. Mas achou, por fim, que era desnecessário, afinal, o sentimento se sente e pronto, tudo tão óbvio, tudo nas reticências…
Até que a vontade inebriante de ter aquelas mãozinhas em suas costas, envolvendo-o naquele abraço tão dela, tão único, foi mais forte do que qualquer outra coisa, e a vontade não passava nunca, e então ela veio até ele. Ela não soube que foi ele quem a chamou, que pediu-lhe através desse estranho jogo de pensamentos que viesse rápido, porque era um desejo muito, muito intenso. Foi um abraço bom, que ficou impregnado para sempre como uma mácula de amor na extensão infinita dos braços, que não cede nunca, que não se desfaz nunca, ainda que se opte pelo esquecimento. Aquele abraço durou séculos, e ele seria capaz de ficar ali por muitos milênios… Ela lhe ofertou uma rosa de crepom, feita com tanto carinho e com tanta gratidão, que o deixou completamente inerte, perdido… Ele chorou naquela noite como nunca havia feito antes, e foram tantas as lágrimas derramadas por causa daquela deusinha árcade que hoje a tristeza dele é diferente de todas as outras tristezas conhecidas, porque só ele a sente todo o tempo, e só ela a compreenderá por toda a vida.