Como te Amo…

Pisei firme, ao subir os poucos degraus que levam à entrada do Aeroporto Internacional de Araçatuba. Certo da importância desse lance em minha vida. Algo para se recordar até o fim. Meu Deus, que noite! No saguão de espera, bem iluminado, um movimento de pasmar. Tudo como imaginei. Mulheres bonitas, socialites até, entre homens dinâmicos. Todos elegantes e sorridentes. Crianças alegres, sociáveis… Um vozerio de arrepiar, intenso porém comedido, como ensinam os preceitos de etiqueta. Esse cenário, percebo logo, tem tudo a ver com Aline. O esplendor do lugar me abala. Contudo, não sinto sensação de pânico. Estou bem, comportando-me como ela gostaria de ver. Claro, se ao meu lado ela estivesse. Sinto um aperto no coração… Não sei explicar, mas algo me diz, no misterioso estuante da vida, que a qualquer momento vou cruzar com ela, nesta multidão. Meus pensamentos se agitam, arregalo os olhos. Debalde… Aquela morena lá na frente, de costas para mim, atrai minha atenção… Tenho vontade de abrir espaço entre tanta gente, aparentemente de bem com a vida; correr a abraçá-la por trás, e bradar: Meu amor, que agradável surpresa, você veio! Fite-me depressa. Que a ausência do seu olhar seca o brilho da minha alma! Contenho-me. Sei o que me espera. Seria um vexame, se tivesse tal arroubo. Lamentável, mas tenho fortes razões para suspeitar que as aparências me enganam. Porque não é mesmo Aline que está lá. Infelizmente… No entanto, não consigo resistir à forte impressão de a estar ouvindo, neste tumulto. Repetindo-me ternas frases… Ditas, de verdade, s-i-m, num tempo de maravilhas, não tão distante. Com sua voz personalíssima, pausada… Ligeiramente rouca:
– “…Só que eu continuo me sentindo criança. Aquela mocinha bobinha, tontinha, que arranjava as amigas para se encontrar com você, meu amor. Eu tinha vergonha de olhar para você. Porque eu era feia, pobre, insignificante…Por que eu sempre fui assim. Mas talvez no fundo, uma criança… As crianças são sinceras, são honestas… Uma manhinha pra conseguir o que querem. Mas não deixam de ter muita inocência nisso. Assim sou eu, Aline…”
O alto-falante do aeroporto me traz de volta à realidade, avisando:
– “O jato Fokker 100 da TAM está taxiando. Senhores passageiros, dirijam-se, por favor, ao portão de embarque!.” Respiro fundo. Sinto falta de Aline. Queria que ela estivesse aqui, a-g-o-r-a, comigo. Ao menos, certas palavras suas encorajaram-me a quebrar meus medos… Por isso, eis me aqui, disposto a realizar meu desejo de voar bem alto. Com a confiança que ela me infundiu.
– “Você vai conseguir ir além do que espera!” — garantiu.
O pássaro de aço estaciona. Suas possantes turbinas dão momentânea trégua. Não me assusta, acho mesmo simpática a ave metálica. Acompanho os demais passageiros. Com facilidade localizo minha poltrona. Pela janela, observo atentamente lá fora. Pô, Aline podia ter vindo, nem que ficasse só acenando para mim, como o fazia na estação rodoviária…
Tiro do bolso o cartão. Faz-me bem tornar a vê-lo. Na bela estampa, um motivo na neve. Ao lado de uma árvore, a garotinha encapotada olha o esquilo alojado no galho. Tem três castanhas na mãozinha, e as oferece ao animalzinho. Descubro os dizeres: Design: Eva/Stalsjo. Made in Sweden/fabriqué en Suéde. Ljungdahls, Nybro. Não é maravilhoso? Oriundo de um lugar muito distante, o mimo foi presenteado a mim… Aline revelou que, quando passou por Estocolmo, ficou atraída pelo cartão. Comprou, mesmo achando improvável que fosse me reencontrar. Mas aconteceu… E o usou para dedicar-me uma terna mensagem de amor…
– “Amor,… Saudades. Que posso escrever a você? Só: Te amo. Sabe que sua confiança no amanhã, na vida, em mim, no amor por você está conseguindo fazer com que eu também tenha (de vez em quando) esta força interior? Eu sempre estive de bem com a vida. Hoje, graças a você, percebo que sou amada. Tenho meu ‘Deusinho’, lembra-se? E, agora, tenho você. Adoro esse seu ‘tiquinho’: Ah! Como é bom…”
A comissária de bordo, alta, loira e bonita, informa a partida com um gostoso “Boa viagem a todos!”
Uma lágrima ameaça rolar no meu rosto. Sigo lendo…
– “…Adoro você, amo você, quero você… Preciso de você. Quero respirar o ar que você respira. Sorrir para as pessoas que você sorri. Conversar com quem você conversa. Gostar do que você gosta. Escrever crônicas com você. Ouvir seu programas radiofônicos e vibrar com as pessoas que lhe elogiam com sinceridade. Reconheceria a todos e, com muitos de seus amigos e você, seria a ‘boêmia’ que sou. E… te amaria sempre, como te amo… Aline, simplesmente Aline”.
O jato decola. As luzes da cidade são um encanto. Contudo a suavidade do vôo não me distrai. Só penso nela. Que materializou seu amor, em meio às intempéries do viver, num cartão assim. Frases tocantes… Depois, sucumbiu ante as dificuldades de um amor impossível.
Embora anotasse no meu livro predileto Longe é um lugar que não existe:
– “Tudo é possível! Sonhe, pois o sonho sempre perdura, o que muda é a realidade…”
Será mesmo que valeu a pena sair da lenda? A felicidade não depende só da nossa decisão. Reencontrá-la, depois de uma longa vida distantes no tempo e no espaço, parecia o acerto do rumo almejado. Para nunca mais errar. A mulher da minha vida, comigo para o resto dos nossos dias… Bom demais.
Mas as coisas mudam. E nem sempre nossos sonhos correspondem à realidade. Este amor mal resolvido tingiu minha existência com a tonalidade da saudade. E aperta meu coração ao som de músicas sertanejas, daquelas “xonadas”… Aprisiona meus olhos na beleza das flores. E no voar de abelhas, borboletas e colibris. Mas, sem Aline, ó tortura, ó angústia…
Já sei, vou sumir na lenda. De onde eu nunca deveria ter saído. Fazer como ela. Ouço o comandante dizer que o avião estabilizou a trinta e sete mil pés. Acima das nuvens. Nas alturas, onde eu sempre quis chegar… Paixão devastadora, martírio meu, não há como suprir a ausência dela. Não consigo pensar em outra coisa. Pela janela embaçada, quisera vislumbrar lá embaixo, no pouco que permite o tapete branco, qual imenso floco de algodão, o vulto da minha querida. Em algum lugar, talvez Aline também esteja sofrendo por mim. Afinal, um grande amor não se acaba assim. É fogo eterno que nunca morre no coração. Se acaso ela apenas sonhar comigo, nada além disso, já ficarei feliz…
Os passageiros ao meu redor olham-me admirados. Juram que falei alto:
Aline, eu também… te amaria sempre, como te amo…