Eu fui uma menina muito feia, magrinha, cabeluda, vesga, tímida e emburrada. Até os 15 anos tirei duas fotos: uma com uns 3 anos e outra quando fiz a primeira comunhão. Sem contar o fato que (na época) uma máquina fotográfica era quase impossível ter e, mesmo quando algum tio rico, todo orgulhoso, mostrava sua câmara e resolvia fotografar a família, eu fugia como o diabo foge da cruz.
Mas não fui tão feinha assim, sempre, fiquei depois dos 7 anos … Minha mãe ajudou um pouco, colocou um pires na minha cabeça e cortou meus cabelos. Diferentemente dos meus atuais cabelos, encaracolados, eram lisos… e com o pires modelando o corte, dá pra imaginar o que ficou.
É incrível mas tenho a lembrança nítida do meu corte de cabelo. Eu mesma me fotografei pro resto da vida. Mas estou ficando perdida no meio do caminho, não é bem isso que eu quero contar.
Fazer a “primeira comunhão” era para a minha família (italianos e católicos praticantes ) algo muito especial. A preparação , a festa, o vestido. Lembro perfeitamente a cara da minha mãe comentando com a vizinha:
– Minha filha já vai no catecismo…
Eu também tinha um certo orgulho e uma grande responsabilidade. Morria de medo de mastigar Cristo (a hóstia).
Minha prima, um pouco mais nova, começou a se preparar na mesma época, a minha mãe e a irmã resolveram, por questão de economia, que nós duas faríamos a primeira comunhão no mesmo domingo e a reunião da família seria uma só. Na casa da prima.
O esmero nos vestidos foi assunto pra mais de seis meses. Minha mãe costurava muito bem e minha tia bordava. Lembro bem da loja de armarinhos onde foi comprado o tecido (piquê) e depois as duas bordando nos fins de semana. O grande problema estava na escolha da grinalda. Minha mãe resolveu copiar uma “touquinha” que tinha visto numa revista de moda. Foi um sufoco, eu detestava, se pudesse escolher! Era vidrada numa grinalda que mais parecia a coroa da rainha Elizabeth em noite de gala. Mas o dinheiro já tinha sido todo gasto no tecido e no sapato…
O vestido era lindo. Rodado, com pregas…bordado! Centenas de folhas bordadas pregadas na barra. Era quase como o ensaio de um vestido de noiva.
Naturalmente, eu e a prima, vestidas do mesmo jeito, fazendo comunhão no mesmo dia, com a mesma “touca”… fomos no mesmo “fotógrafo”…
D’Avilla, Fotógrafo. Era uma lojinha, numa ladeira, perto da escola, entulhada de fotos. Uns 15 dias antes, eu e a prima, fomos fazer as fotos. Afinal tínhamos que presentear o vô e a vó e as madrinhas.
Eu usava óculos e, de óculos, não ficava vesga, mas não gostava, sempre detestei óculos, até hoje…No momento de fotografar, com toda a minha timidez, tomei coragem e não quis tirar a foto de óculos. Minha mãe brigou, reclamou, mas eu era teimosa, emburrei… e acabei tirando a foto, sem óculos.
Na véspera fui buscar as fotos e qual não foi minha surpresa quando entrei na loja: dei de cara com a foto da prima na vitrine, o vestido, a “touca”, os bordados. Fiquei procurando a minha foto e não encontrei. Nossa que desilusão! Muito feminina eu penso hoje, pois éramos duas meninas vestidas exatamente igual, tudo igualzinho. Não havia lógica eu não estar exposta também, a não ser a beleza física, embora sob uma nevoa da incompreensão infantil, alguma coisa lá no fundo de mim, me disse: você é mais feia, é isso!!!
Fiquei tão triste ! Mas não tive coragem de pedir pro seo D’Avilla botar minha foto na vitrine.
Fiquei bem uns 6 meses, na volta do colégio, entrando na loja com um: “bom dia, seo Dávilla “, na esperança de que ele lembrasse que havia tirado uma foto minha .
Desisti o dia que ele me olhou, olhou e perguntou:
– Escuta aqui, você não é a prima daquela menina alí? Apontando a foto da prima.
Até hoje quando olho a foto penso que se não fosse a “touca” e a franja talvez o meu “olho esquerdo” não tivesse ficado tão distraído, junto do nariz, querendo o olhar o outro olho, o direito…