Um dia, há muito tempo já, estive escoteira. Digo “estive” porque nunca “fui”, de fato, apesar dos freqüentes e incisivos ensinamentos de que “uma vez escoteira, para sempre escoteira”.
O primeiro dia foi terrível, eu nem sabia o que era uma “patrulha”. Na hora do lema, aquela gritaria: “Vem pra minha!”, “Corre aqui que é hora da formação!”, e eu, feito boba, sem saber para onde ir, acabei enfileirada na “Raposa”. Aprendi rapidinho:
“Reorô-reorá
Nike-nike-naiolá
Zaizô-zaizá
Ipi-ipi-piapá:
Raposa!”
Lembro de outro dos muitos lemas:
“Tiribum-araruê
Tiribum-aracatu
Tim-tim-catapimba
Rô-rô
Castelo Branco!”
Eu achava tudo tão esquisito, aquela gritaria, parecia concurso de quem berrava mais. Mas era lindo ver todas nós, meninas, iguaizinhas, de saia e camisa cáquis, chapéus, tênis pretos e meias brancas, só destoando na cor do lencinho ao redor do pescoço…
Apesar de tudo, eu não me sentia feminina, não ali… vivia me olhando e procurando uma ou outra presilha, uma unha pintada, um anel ou pulseira… cadê? E pensava mais: para que aprender a dar laços e nós se nunca vou querer me aventurar numa mata, se vou adorar ficar em casa com meu marido rodeada de filhinhos nos fins de semana?
Ia pensando enquanto a Gabriela, a chefona, apitava: FORMAÇÃO!
E lá vinha a correria!
Credo, até lembrava o “marcha-soldado-cabeça-de-papel”…
… quem disse que eu queria ser soldado? Eu não!
E acampar? Deus me livre… tomar água de rio, banho de canequinha, dormir em barracas, ser corroída pelos pernilongos, comer lesminhas e besouros? O que eu estava fazendo ali?
Já pensou se um dia eu ficasse menstruada no acampamento? Ai, que vergonha, o que eu ia fazer nesse caso?
Ah!, a Kelly ia me pagar… e eu, burra, por que aceitei? Fui na onda, era moda, tão bonito estufar o peito e falar: “sou escoteira”…
Lembro da Patrícia dizendo que a boa ação daquele dia tinha sido ajudar uma velhinha a atravessar a rua. Mentira da grossa, a tal da Gabriela olhou feio…
… nunca fui dada a essas coisas, tão pacata, tão quietinha no meu canto… sempre preferi observar…
Por isso “estive” escoteira e nunca fui. No mês seguinte já não apareci, apesar da bronca da minha mãe, que tinha comprado o uniforme e tudo o mais: “fogo-de-palha”, é o que ouvi durante um bom tempo…
Mas não dava. Eu ia matar a “menina” de dentro e de fora, simplesmente não havia sentido naquilo que vinha fazendo… não para mim.
… eu gostava mesmo era de pegar meu diário e ficar sentada debaixo da tenda, sonhando, sonhando…
… de vez em quando escutava:
“Reorô-reorá
Nike-nike-naiolá…”
… era meu outro lado batendo à porta: nunca atendi!