João Cabral de Melo Neto

Lendo o texto “Mãos lavadas”, de Ivan Claudio, ISTO É, de 17 do corrente, percebi existirem trechos de nossa existência, ora por caminhos paralelos, ora por caminhos divergentes.
Primeiro os caminhos paralelos: o fato de ambos termos sido apontados como comunistas, ele com a agravante de ter sido indiciado eu apenas na boca do povo, ou, talvez melhor dizendo: de inimigos do povo. Quem mente desserve ao povo. Seria difícil dizer qual de nós dois sofreu maior dano com tal conceituação.
Quanto a mim, talvez não tenha galgado a Magistratura por tal infundada etiquetização. O curioso é que sempre fui contra o comunismo, bem como, ainda hoje, contra a quase totalidade dos “ismos”. Sempre fui a favor da busca, do esforço, do sonho, etc. A favor do desenvolvimento dos talentos humanos sem que nos esqueçamos das nossas fraquezas.
Por quê fui etiquetado? Porque admitia que os comunistas eram pessoas envolvidas e preocupadas com a injustiça social e “distribuição inequitativa” de bens. Um grande amigo meu era comunista. Nossa conversa? Debate.
Outro pecado meu? Viver dizendo que o Brasil precisava de planejamento. Ora, o Golpe Militar de 1º de abril de 1 964, antecipado na folhinha e redenominado como Revolução, teve entre suas louváveis providências iniciais o fato de criar o Ministério do Planejamento, cuja eficácia ainda estamos a aguardar. Outro providência elogiável: a pessoa que me apontava, que prendeu muitas pessoas e etc. foi enquadrado e posto calado logo nos primórdios do governo militar. Caminhos divergentes com o referido recém-falecido escritor: enquanto ele entende que “um poema se faz para a vista”, eu entendo que um poema se faz para muitos sentidos: primeiro para ser ouvido, tocado – na conferência da métrica -, degustado e comido – assim me escreveu alguém, talvez por ser amigo – e visto, por quê não? Além de outros sentidos mais. O poema – propriamente dito – procede de sentidos desconhecidos e sensibiliza sentidos ainda não conhecidos ou não reconhecidos. O poema envolve os cinco sentidos tradicionais e mais outros, pois. Quanto ao belo visual, tem seus departamentos específicos, também poéticos, por quê não? Por outro lado, um poema também tem ou pode ter sua beleza visual.
Vou, entretanto, responder ao verso: “um poema se faz para a vista” do notável filho de Pernambuco através de um poema, o que não deixa de ser um tanto indecoroso, em vista de ele não poder me rebater. Respeito sua referida maneira de escrever e sua ausência. Acredito até – em estando vivo e, em tomando conhecimento de minha existência – me acolhesse com simpatia e me respondesse com um sorriso:
SENTIDOS
Um poema se faz pra ser ouvido
pois o poema busca o interior,
o mais interior, pois o valor
maior do ser humano, protegido,
se encontra dentro. Ouçam, por favor,
cada poema meu pois seu sentido
quer ser profundo e quer ser acolhido
por nosso interior e exterior
Mas…, nosso exterior?, como envolver?
Através dos parâmetros da métrica
que trabalham uníssono na estética
ao som dos dedos ágeis a correr
para integrar o corpo, a mente, o espírito
na vivência das coisas do infinito