Os tipos de torcedores e outras manifestações da bola
O pior tipo de torcedor de futebol é aquele que se finge indiferente com o fracasso do seu clube. Outro dia, na Folha, o Gilberto Vasconcellos, fazendo a exaltação da cachaça, escreveu: “temos de reconhecer que nada pode haver de mais triste neste mundo que duas pessoas sentadas em frente de uma garrafa de água mineral”. E o que me dizer de um corintiano dizendo a um palmeirense: “o Euller é infinitamente superior ao Edílson, uma injustiça o Luxemburgo não levá-lo para a seleção”, ou, inversamente, o palmeirense rasgando elogios ao elenco alvinegro, chegando ao ponto de: “penso que o Oswaldinho é o melhor técnico do Brasil, sem sombra de dúvida; veja você, o Felipão manda bater, um absurdo!”.
Não existe, na cultura futebolística brasileira, essa de “não, o outro foi melhor mesmo…”. Ou o que é pior: “eles mereceram”. Vamos parar com isso. Na última das hipóteses, a culpa é sempre do juiz, mesmo que o nosso time tenha conseguido a façanha de perder para o IV de Julho de Piripiri por 6 a 0, com um goleiro chamado Juca Baleia defendendo as cores adversárias.
Pessoalmente, no entanto, não chegaria ao cúmulo de vestir a camisa de um clube pelo qual não torço, só para dar uma força ao time que vai enfrentar o nosso maior rival. Isso, convenhamos, é coisa de torcedor frustrado. Seria muito mais inteligente – e sarcástico, até – aquela chegadinha discreta no dia seguinte ao jogo, junto àquele seu camarada que cantou vitória a semana inteira – e o seu time tendo feito quatro neles – com um sorriso maroto no canto do rosto, e aquela perguntinha que derruba: “quanto foi o jogo, acabei não assistindo…”. He, he, he.
Yesss!
Digo isso porque me ocorreu aquela cena da torcida do Flamengo vestindo as cores do Real Madrid – que jogaria e venceria o Mundial Interclubes contra o Vasco -, e os corintianos, torcendo de vermelho (?) para o Manchester, no ano seguinte. E mais recentemente, de azul (?), entoando “avanti, Boca”, na final da Libertadores. Cadê a ironia, meu Deus?! Tem coisa mais linda do que dizer ao corintiano que “olha, o Marcelinho bateu bem, o Marcos é quem teve sorte”, ou a um palmeirense, “fiquei comovido com o choro do Argel” ?
Tudo bem, é claro que a gente não consegue deixar de se envolver (e de torcer, no mínimo, intimamente) para ver nossos inimigos de bola chegarem à decisão e morrerem na praia. Acontece que as demonstrações públicas e exarcebadas de gozação aos rivais só tem gerado violência. A graça do futebol não é essa. Ainda que o romantismo tenha acabado, a essência, digamos, ingênua, dessa que é a maior paixão nacional não pode deixar de existir. Ou vai dizer que não é engraçado ver o Milon Neves levantando hipóteses sobre novos complôs contra o Santos?
Há ainda outros dois tipos de torcedores que, definitivamente, merecem o nosso inapelável repúdio: aquele que torce para a “seleção brasileira”, e aquele que simplesmente não torce, dizendo não gostar de futebol, mas que se aproveita do futebol – poderíamos chamá-lo de “torcedor-parasita”.
No primeiro caso, temos um inocente útil que, por motivos muito específicos, não soube desenvolver no decorrer de seu crescimento como ser humano a paixão por esse maravilhoso esporte. Num determinado momento de sua vida, ele se vê metido numa acalorada discussão – sem estar entendendo lhufas de nada – se o Djalminha merece ou não a camisa amarela, e então ele percebe que não torce para time algum, não sabe quem é o Djalminha e, se prepare agora!, como assim “merecer a camisa? E por que amarela?”.
Já o parasita, por definição, sabe mais do que o torcedor da seleção. Às vezes demora um pouco, “o Zetti saiu do São Paulo, ele está no Santos agora, né?”, mas nada muito grave. Ele insiste que não gosta do esporte, mas adora vir tirar uma casquinha, “seu time ontem, hein?!”. Não se conforma com o trânsito nos arredores do Morumbi em função do clássico, mas em época de Copa do Mundo é o primeiro a deixar o expediente mais cedo, “o Brasil vai detonar”, achando que está fazendo uma belíssima demonstração de patriotismo. Em geral, aprecia Fanta Uva. Diz não entender a graça de “22 homens correndo atrás de uma bola”, mas não aceita que sua coleção de formigas prateadas seja motivo de chacota.
Apaixonante ou não, só sei que meu professor de jornalismo básico não acha o futebol uma coisa importante. “Saber quem foi o campeão paulista do ano passado não muda nada”. Pode até não mudar nada, mas se a briga no campo, o tira-teima do “quem era o melhor” e a repercussão na cidade e na mídia não significaram nada, então, depois que me eu formar, vou me mudar para aquela cidade no interior da Colômbia, do coronel solitário do García Márquez, e me dedicar à cobertura das lutas de galo. Que futebol, o quê!