Gosto de recordar! Lembrar das coisas alegres e , por que não, das coisas tristes também. Lembrar dos acertos da vida e também dos erros, para tirar lições para o presente. A adolescência é um campo fértil de lembranças: a primeira namorada, os encantos do primeiro amor e a primeira desilusão. E as músicas dos anos 50 e 60 ? Eu duvido que algum jovem já tenha ouvido falar de Tomy Sands que, com seu rock ingênuo “Sing boy sing”, já naquela época fazia a moçada esquecer as tristezas da vida. Ou do grupo Ervely Brothers, que agitava os jovens da época nos gostosos embalos nas tardes de domingo. Os respeitáveis senhores de meia idade de hoje tinham na sua adolescência um time de futebol inteiro para admirar, sob o comando de um rei. E na música são tantos os nomes a serem admirados! O mundo fervia à minha volta: Beatles, movimento hippie, guerra no Vietnam, e eu, em minha ingenuidade de jovem, não percebia isto. O culpado deste ataque de saudosismo é uma folha de papel já amarelada pelo tempo, que surrupiei de um jornal mural nos tempos do serviço militar. Os soldados escreviam o que tinham vontade, os escritos passavam por uma censura e eram expostos neste mural. Trata-se de uma crônica. Uma singela homenagem de despedida de um soldado à sua arma que o acompanhou durante todo o tempo de caserna. O autor se identifica apenas como soldado 294. Por mais que me esforce não consigo dar um rosto a este soldado. Também pudera! Já se passaram 34 anos, estou ficando velho mesmo! O original datilografado está comigo , que, não sei por qual razão, o tenho guardado desde 1965. Talvez seja para servir de inspiração a este aprendiz de cronista. Ei-la…
Conversa com o mosquetão 4233
Ei, mosquetão! Você viu o que chegou aí no Regimento? Pois é… Não sei se os outros soldados vão fazer o mesmo, mas eu achei que deveria explicar-lhe tudo direitinho mesmo sabendo ser esta missão um tanto desagradável. Você viveu toda sua vida dentro deste Regimento e , assim sendo, não pôde acompanhar toda uma evolução técnica e científica que se deu neste mundo. Talvez nem a compreenda. Mas em todo caso… Desde o seu nascimento estão surgindo novas curas e novas operações. Tem gente vivendo com pulmões artificiais e com membros feitos pelo próprio homem. Coisa inacreditável, 4233. Hoje, mosquetão, a humanidade quer e luta por coisas altamente avançadas. Se com duas pílulas curava-se uma doença, hoje em dia eles querem esta mesma doença curada com uma só. Se uma fábrica produz aquém daquilo que se precisa, ela vai ter que produzir muito mais para não ser engolida pelo demônio da estabilidade produtiva. Ninguém pode mais viver sem progredir a olhos vistos. E assim as coisas antigas vão dando lugar a outras, mais eficientes e práticas. Chegou aí no Regimento um carregamento de armas que dão vinte tiros consecutivos. Estas armas entrarão em uso no próximo ano e os mosquetões , provavelmente irão para algum país aqui da América do Sul, continuar a sua honrada luta pela democracia. E você irá também. Você que ajudou a preparar os nossos antecessores deste Regimento para irem à Itália integrando a Força Expedicionária Brasileira . Você que combateu em 22, 24, 30 e 32. Você que derrotou impiedosamente os comunistas em 1935 e que em 31 de Março os enxotou juntamente com os corruptos do país. Agora outros peitos jovens lhe darão apoio. Outra Nação confiará a você a segurança de seus filhos, e provavelmente outra notícia igual a esta lhe cairá aos ouvidos. Mas não se deixe levar pelo desânimo. Continue lutando sempre até que a esmagadora alavanca do progresso lhe comprima contra o muro das coisas irremediavelmente perdidas. Daí sim, estará totalmente sugada a sua fibra, você estará morto… Apenas a sua história vai ficar presente num capítulo inteiro do livro da paz. A exaltação de seu idealismo e de sua coragem serão fatos consumados. Mas de uma coisa esteja certo: Por mais que se progrida, por mais que se aproxime do Sol, jamais os brasileiros olvidarão você, que no alvorecer da caminhada à justiça, segurou com mão forte as rédeas da discórdia. Ei, mosquetão… Não chore assim!