Matadores Da Tristeza

Eu tenho um amigo, chamado Solemar. Ele vive dizendo que, o melhor dia da semana é segunda feira.
Engraçado!? Nutro um verdadeiro horror por esse dia. Amo, “com força”, o sábado e domingo, mas confesso que, nesses dois dias, perco o ritmo e, quando amanhece a segunda, me arrasto para o trabalho. Levo horas para destravar e aquecer os neurônios.
À parte da tarde começo melhorar. Sinto lentamente o “clic” de cada célula do meu cérebro ligando e entrando no ar. Na terça, já estou ótimo.
Voltando as palavras de Solemar: – Sim! O melhor dia da semana é segunda feira! Sabem por que?! Ora! Porque fica longe da outra segunda feira!
A sexta feira seria ótima, mas está muito perto da segunda. Prefiro a segunda, pois demora sete dias para a próxima.
Pois bem. Na última, com perdão da má palavra, segunda feira, encontrei o velho camarada em um posto de gasolina, deitando falação com o bombeiro.
Absurdo! Dizia ele: – Aqui no Brasil, o roubo é tamanho que, se cobra centavos de centavos!
Meu filho! Gritava ele com o pálido rapaz: – Em qual país do mundo, centavos possuem três dígitos?
A gasolina custa R$ 1, 609 ( Um real seiscentos e nove centavos).
“Avos” não é parte? Centavo não é parte de cem?
Quer dizer, no Brasil, além de centavos, agora temos também “milhavos”!
Ora, tenha paciência!!!
Exaltado, inflamado, com a calma crepitando, esbravejava com o pobre rapaz, que já não sabia mais, se pegava na mangueira da bomba, ou no cilindro do extintor de incêndio.
Aproximei-me o mais rápido que pude e, tentando tranqüiliza-lo fui dizendo:
-Calma Solemar! As vicissitudes do dia-a-dia estão minando a sua precária paz. Pela sua intolerância às coisas erradas desse mundo, permita-me dizer que você está com Distress!
Gostaria de convida-lo para navegar comigo no próximo sábado.
Distress?! O que é Distress? Perguntou.
Quando estivermos no mar, conversaremos sobre isso. Sábado às nove, OK ?
Bem… A semana passou rápido. Os dias, preocupados com o Solemar, foram pulando a fronteira do presente para o passado, tal como aqueles carneirinhos que a gente contava para dormir quando pequenos. O último a pular foi a sexta feira que, nos presenteou com um belo sábado.
Realmente o dia estava lindo. O velho cais mergulhava parte de seu corpo n`agua, deixando o dorso tomando banho de sol. Olhei para o relógio e notei que já passava das nove horas. Andei prá la e prá cá diversas vezes, queimando o tempo. Meu Deus! Cadê o Solemar?
Sentado num pneu que, pendurado na amurada do cais, servia de defensa, um distraído garoto pescava. Aguardei que ele colocasse camarão no anzol e perguntei:- Amiguinho, você por um acaso, não viu um senhor de mais ou menos 40 anos de idade, com óculos e olhar assustado?
Eu vi, sim senhor! Ele chegou aqui as oito horas, esperou até oito e meia, período em que deve ter ter olhado para o relógio umas vinte vezes. Então, foi-se embora, reclamando de alguém que, provavelmente ele esperava.
Obrigado, respondi. É ele mesmo: – “O ansioso”!
Marca o encontro as nove horas . Chega as oito. Espera até oito e meia e vai-se embora xingando!
Bem… O jeito foi busca-lo em casa.
Minutos depois, lá estava o pequeno pescador sorrindo ao ver os três chegando:- Eu. Solemar e sua “tromba”!
Se algum dia te perguntarem qual é o animal que possue tromba, responda por favor que, além do elefante, existe o pirracento Solemar!
À bem da verdade, Solemar nunca tinha entrado numa embarcação, não tinha também a mínima idéia do que era navegar, tanto que quando gritei:- Soltar amarras!!!, ele começou a desafivelar o cinto da calça!
Mas o que é isso, Solemar?!
Já quase despido da roupa e completamente nu de conhecimento náutico, me ouviu dar uma boa risada e dizer: – Amarras são os cabos, ou com licença da má palavra, as cordas existentes na lancha!
Após o que, trimei o barco e rumamos mar à fora, digo, mar à dentro, pois resolvemos rodear a bela capital do Espírito Santo:- Vitória, que é uma ilha.
O passeio é extremamente agradável aos olhos e relaxante para a alma.
Passamos por longos e sinuosos canais, magníficos manguezais e pequenas, mas não menos interessantes, ilhas.
Lá ia eu mostrando, comentando e respirando a harmonia da natureza.
Perto da Ilha do Boi, notamos alguns pequenos pássaros ciscando nas pedras. Talvez estivessem comendo moluscos ou algas, não sei bem, mas o curioso é que a violência das ondas não os amedrontavam. Quando essas rebentavam sobre eles, levantavam vôo calmamente à poucos centìmetros da superfície e, assim que elas passavam, pousavam tranqüilamente no mesmo local. Exemplo de equilíbrio e persistência.
A forma imprevisível como a onda chegava, poderia trazer expectativa e , como conseqüência, ansiedade nesses pássaros. Mas, ao contrário do ser humano, apenas sentem medo. Não apresentam Stress. Não padecem de Distress.
Você prometeu me explicar esse tal de Distress , cobrou Solemar.
Pois bem… Distress é uma resposta crônica à uma situação de necessidade.
Fiquei na mesma? Retrucou Solemar.
Melhor exemplificar:- Se um Leão foge da jaula e te ataca, daria para explicar muito bem o que é um sepultamento. Mas, embora o Distress possa também, às vezes, levar à um sepultamento, felizmente não é o caso aqui.
Portanto vamos trocar de bicho.
Se um cão avança sobre você, certamente te provocará uma das duas reações: – Lutar ou fugir dele.
Os instintos de luta e fuga talvez sejam os mais primitivos comportamentos do ser humano. Frente à um estado de Stress, produzimos Adrenalina, entre outras substâncias, que estimulam a produção de insulina pelo pâncreas que parte, via sanguínea, em direção as células, na função de queimar a glicose (açúcar) ali existente. A combustão dessa substância, gera energia, utilizada para lutar ou fugir.
É importante lembrar que esse processo é agudo.
Hans Selye o denominou Stress.
Agora, se o estímulo que provoca essa reação ocorre de forma contínua, o processo, mesmo de maneira branda, levará o corpo à exaustão, desequilíbrio e doenças. É o que chamamos de Distress.
Em outras palavras:- Distress seria o Stress crônico. Stress seria apenas o Distress assustado!
No Distress, a adrenalina passa a ser produzida de forma constante, evidenciando a desconfortável ansiedade
É também bom lembrar, ser a ansiedade, uma manifestação emocional dessa reação, ao contrário da angústia, que se manifesta no corpo, produzindo falta de ar, palpitação, vertigem e tantos outros sintomas.
Esclarecendo melhor:- O medo é um estado agudo e objetivo. Por exemplo:- A reação citada anteriormente deveu-se ao ataque do cão = Stress
A ansiedade é um estado crônico e subjetivo.Por exemplo:- Estou tenso o tempo todo e não sei bem explicar o porque? = Distress
Imagine! Meu caro Solemar:- Um carro correndo prá lá e prá cá, deslocando o nobre confrade objetivamente para um determinado local!
Agora pense no mesmo veículo, ligado em ponto morto, horas à fio no mesmo lugar, sem sua função básica que é o movimento!
O motor aquece e queima. Parece até você, não?!
Sem ir à lugar nenhum na ruas, o automóvel permanece em ponto morto. Sem ir a lugar nenhum na vida, você permanece morto no ponto!
Acredite, Solemar! Vocè não vai consertar o mundo! Aproveite e conserte você mesmo.
Pode parecer ridículo, mas eu prefiro um confortável vício, do que uma virtude que me canse!!!
Navegamos durante um bom tempo com Solemar fitando um ponto distante no horizonte, onde certamente pousara seus pensamentos. Após horas de tranqüilo silêncio, ele disse:
-Ué?! Tô me sentindo ótimo! Sem uma gota de ansiedade!! Estou leve, otimista, diria até humanizado!
Foi você, João?!
Foram suas palavras, seus gestos?!
É claro que não, respondí: – Eu apenas transformei em palavras, o que já existe dentro de nós e não vemos.
Agradeça aos “Matadores da Tristeza”.
Matadores da Tristeza??!!
Sim. Aqueles que te oferecem calor e liberdade: – O SOL e o MAR!
Por que odiamos à segunda feira?
Porque são todas iguais. Rotineiramente transformamos nossos dias em uma mesmice mortífera!
O domingo, enfadonho, é o resumo intoxicado da semana.
A segunda feira que virá, é o prenúncio de mais uma semana, arrastada pelo tédio e enfado.
É a morte da esperança, pois esperança vem de esperar e, da rotina , nada mais se espera!
Daí transformamos a vida, no apenas existir!
O sol aquece o frio da alma. Clareia nossa percepção míope da vida. Afugenta os fantasmas que empobrecem nossos pensamentos.
O mar nos mostra liberdade, vida, poder, abundancia.
Tal qual a fé, que sai de dentro de nós, seres finitos, mas que é infinita, o mar, geograficamente, tem começo e fim, mas dentro dele, o vemos e o sentimos infinito!
Humm.. Humm.. Agora entendo!
Pensando em me fazer grande, mágico, eterno, minha mãe, quando nasci, levantou-me nos braços e gritou:
– Eis aqui, o fruto de um grande amor… “SOL E MAR” !!!