Parece estranho fazer uma crônica sobre algo que nem animado é – aliás, mais estranho ainda é escrever sobre uma coisa que nem existe sozinha, apenas é parte de um instrumento que alguns amam, outros odeiam, mas todos usam, e que parece tão insignificante que é chamado por uma sigla enigmática, que poucos ao certo sabem o que é. Mas o fato é que, sentado na frente de um microcomputador pelo menos um terço do meu dia, não dá para esquecer do guardador de conteúdo dele, o HD – a sigla vem de “hard-disk”, disco rígido, uma das tantas cópias de termos do inglês que o brasileiro insiste em adotar para se achar chique perante o mundo – vá lá, já falamos tanto em “mouse”, “deletar”, “Web” e que tais que nem adianta mais reclamar do sinistro, que se adote o termo e deixemos o tempo passar, que tudo se acerta.
Mas voltemos ao assunto, o dito HD: essa peça que, por dentro, parece uma coleção de discos que funciona como aquelas antigas vitrolas, movendo agulhas para lá e para cá, à procura daqueles uns zeros que vão compor o que a gente quer de verdade, tem uma função vital da qual a gente não se percebe – é lá onde estão as informações que utilizamos em nosso cotidiano, nossos programas de trabalho, nossos documentos, nossos textos, a poesia e a prosa de muitas vidas, guardada em silício para uso posterior. Parece brincadeira que tal peça (que nem parece disco por fora – é uma caixinha preta muito bem vedada, e que requer bastante cuidados) seja fundamental, mas quantas foram as vezes em que ouvi os conselhos sobre fazer “backup” (outro anglicismo, já que “cópia de segurança” não nos parece muito chique) e as vezes desesperadas em que ouvi gente dizer: “Xi, ferrou o meu HD”, e o pessoal do suporte técnico tentando muitas vezes salvar o coitado, ou o que restou dele, como um cofre aberto ou um arquivo de documentos valiosos que por um acaso se molhou.
É interessante ver a maneira pela qual as pessoas organizam seus discos: suas telas de salvamento, seus arquivos preferidos (existe até um “Favoritos” do Windows para guardar aquilo que acessamos com mais facilidade) e, principalmente, a maneira como se enche e esvazia o disco, rapidamente, e como reclamamos do acesso lento, e como fazemos nossos procederes diários e vemos o espaço dele crescer e diminuir, tantas quantas forem as vezes em que temos que usá-lo. Também é engraçado ver como as pessoas lidam com seus arquivos, e como às vezes destróem aquilo que demorou anos para ser feito, com um simples toque de uma tecla “Del”; aliás, nos tempos jurássicos do MS-DOS tinha uma pergunta sinistra para esses momentos: “Tem certeza? (S/N)”, como se a vida ou morte dependesse disso – bem, para alguns dependia, porque se um sistema de anos fosse apagado, era parte da vida dele que ia, e o emprego – quase sempre – também.
Mas o mais importante é ver que o HD dos micros das pessoas é mais do que isso: trata-se de um cofre, um grande armário, um baú onde guardamos aquilo que nos é mais útil, ou importante, ou necessário. Em tempos de informatização constante, não deixa de ser engraçado ver que os tempos mudaram, mas continuamos a seguir as mesmas regras, como se as mudanças constantes no mundo só nos levássem a um lugar – nossas memórias, escritas de maneira indelével no HD de nossas vidas, guardadas até o dia em que alguém, de algum canto, resolva mover-nos ao “Trash”, nos guardar em um canto, fazer “backup” de nós ou nos “deletar”, como se todos nós fizéssemos parte de um imenso disco rígido, que vaga dentro do micro de Deus, a nos gravar e modificar, como registros de um banco de dados em constante mutação.
“Informatizado” demais? Pode ser – mas, num mundo louco como o nosso, ao menos vale a intenção.