Passado o furor gerado pela revolução feminista, nós, mulheres pós-modernas, que dispensamos atitudes rebeldes como a de queimar sutiãs em praça pública, já que podemos tranqüilamente os abandonar no fundo da gaveta, vivemos um período de angústia existencial. Com os peitinhos livres debaixo da camisa e anticoncepcional no bolso, a invasão empreendida no território tradicionalmente masculino deixou de ser uma atitude espantosa e fazer as coisas acontecer não é mais a palavra de ordem atual. O grande lance ficou por conta da administração das conquistas e, sobretudo, das perdas que a revolução feminista ocasionou. E agora, José? Tomando coragem e fôlego para contabilizar vitórias e fracassos, o momento exige que lancemos mão da propalada educação emocional a fim de organizar pacientemente num canto os escombros restantes dos velhos padrões e alicerçar, em outro, a base dos novos – separar, enfim, o entulho dos tijolos reutilizáveis e dar um destino coerente para ambos.
A tarefa parece árdua e reveladora à medida que percebemos que estamos mais preparadas para a vida lá fora e menos aptas para a vida no lar, que lidar com softwares, hardwares, aplicações financeiras, compras de carros, imóveis torna-se mais fácil do que tratar da família. A situação se mostra ainda mais desalentadora quando, em contrapartida, constatamos que desaprendemos a cozinhar, a educar os filhos, a contar histórias e a aconselhar.
O lar está perdendo seu sentido semântico primordial, que era o lugar onde, antigamente, no início da civilização, os familiares costumavam se reunir ao redor do fogo para se aquecer. No mundo dito civilizado cada um janta na hora que sente fome. Nós, mulheres, parimos tarde. Passamos a fumar muito, beber exageradamente e a sofrer do coração. Assimilamos as piores características masculinas e nos tornamos liberais, esquecendo que o corpo que diz muito prazer a inúmeros desconhecidos abrigará um dia o filho desejado. Coisas tão dissonantes e difíceis de serem conciliadas… Vemos então, pesarosas, que a cada degrau que subimos na escada do progresso encontramos munição para nos armarmos mais na área profissional e, paradoxalmente, estarmos menos protegidas no setor afetivo. Aprendemos a ir à luta e atacar, a buscar alimento, mas desaprendemos a defender a cria.
Acreditando ingenuamente que os tais direitos iguais nos traria subsídios para todas as áreas da vida, fomos construindo moldes que nos desse parâmetros, que nos fornecesse noções de limites e liberdade. Ainda com a massa no forno, fomos nos dando conta de que tudo ficava apertado demais para nos conter – a bem da verdade, insuportável. E, nos últimos instantes, o preparado começou a crescer demais e a fôrma não pôde comportar o excesso. Resultado: a maçaroca se derramou e, sem outra alternativa disponível, teríamos então de a engolir e servir aos nossos descendentes.
Uma vez concluído o processo de cozimento, colocamos cuidadosamente a fôrma em cima da pia e ficamos observando, desconfiadas, a coisa pronta. O que fazer com aquilo? Queríamos um prato quente e saboroso e acabamos desenformando algo sem valor nutritivo. Erramos na mão e temos de assumir isso. Viramos o machismo do avesso em nome do feminismo e achamos o máximo. Fizemos tudo o que era necessário para manter colado o rótudo de “bem-sucedida e independente”. Será que valeu a pena?
A mulher, hoje, em sua grande maioria, trabalha para o próprio sustento e ajuda no orçamento da casa. Essa foi uma boa conquista. Porém, nos dias de cólica menstrual, precisa tomar um analgésico e agüentar o tranco sem demonstrar dor nem se irritar. Ora, pra que existem maquiagem e calmante? Essa foi uma conseqüência ruim. Também não é permitido ter transbordamentos emocionais quando se recebe uma promoção nem deixar rolar uma lágrima furtiva ao ouvir uma notícia triste durante o expediente: antes de tudo, somos profissionais forjadas nos padrões masculinos – que chorem depois das cinco e meia então, oras bolas, nos dizem. E de repressão em repressão, vamos vivendo nosso calvário sabe-se lá em direção a que cruz, passando a consumir e ser consumidas por idéias impostas pela mídia e repreender e ser repreendidas. Somos nossas maiores algozes. Parimos quando a empresa permite e criamos nossos filhos a deus-dará, deixando a educação deles sob a responsabilidade de empregados que muitas vezes não têm o primeiro grau.
E, lançando o olhar para um passado não muito distante, percebemos que um dia saímos aliviadas e lépidas da guarda do pai, nos livramos das garras dominadoras do marido, demos nosso grito de liberdade sem saber que estávamos prestes a cair nas teias envolventes da mídia, que passou a ditar todos os comportamentos atuais.
Do caldeirão para a caldeirinha, passamos a viver sob a regra vigente e indiscutível que manda substituir as glândulas mamárias por silicone, lipoaspirar o excedente e não envelhecer. O espaço para o ser humano íntegro foi se tornando cada vez menor. Não há mais tempo para a vida e seus desdobramentos naturais. Os deliciosos bolos fresquinhos de domingo à tarde foram substituídos por sonhos industrializados comprados na padaria da esquina; as conversas com a mãe foram trocadas pelo chat com algum estranho na telinha do computador, porque o pouco tempo que conta não é o real, mas o virtual. Nós, mulheres pós-modernas, exigimos o melhor de tudo e de todos, e os homens, inseguros, ficaram perdidos no meio da confusão de novos valores: dá-lhe Viagra para conter os ímpetos dessa mulherada ensandecida por resultados. Então, a palavra do momento passou a ser funcionar, apresentar soluções satisfatórias. O processo para chegar lá não importa, o que vale são as soluções – e elas têm de vir rapidamente. Você as têm? Para quem está interessado no assunto e quer vislumbrar toda essa aflição, o filme Um dia especial, com Michelle Pfeiffer e George Clooney, é uma boa dica, já que retrata com muita sensibilidade a pouca dedicação à vida particular e à família. O desfecho, como você bem pode imaginar, dados os artistas em questão, é água-com-açúcar, mas o conteúdo deixa um sabor agridoce.
Cabe agora a nós, ícones do pós-modernismo, rever os conceitos feministas com discernimento, fazer um balanço dos prós e contras de toda essa revolução que nos empurrou para o universo masculino e tentar inserir nele, ainda que de modo sutil, o elemento feminino. Cabe a nós, sobretudo, nos conscientizar de que ainda está em nossas mãos formar o ser humano íntegro que transitará pelo mundo futuro que já desponta e entender que para os homens e as mulheres de amanhã serem pessoas minimamente dignas e equilibradas eles vão precisar do contato humano, do direcionamento real que só a família pode oferecer com segurança. E assim, quem sabe, reestruturando de modo mais coerente nossos papéis no mundo, vidas serão retiradas da marginalidade e conflitos e guerras serão apenas uma triste lembrança do que foi um dia a pré-história emocional da humanidade.