A Novilíngua

Há um novo linguajar na praça, talvez filho da globalização, que me obriga a refletir cada vez que ouço como se estivessem falando comigo numa língua estrangeira qualquer. Cada vez entendo menos telefonistas, recepcionistas, economistas, aeromoças, jornalistas, enfim, estou me isolando no meio de um palavreado confuso, muitas vezes mal traduzido, um dialeto incompreensível. É bem parecido com o português que aprendi, porque soa como português, os fonemas são da boa língua portuguesa, mas, não tenho dúvida, um português que pede tradução a cada palavra.
Dia desses liguei para um amigo meu. A secretária me disse o seguinte: “Ele não se encontra”. Entendi o que ela falou. Ele estava se procurando, e não conseguia se achar. Não era bem isso. Que seria? Ele não estava sendo encontrado no seu posto de trabalho? Quem inventou essa fórmula confusa para substituir outra muito mais simples (“Ele não está”)?
Não faz muito tempo, recebi um recado grosseiro para ligar para um cidadão que desconheço. Liguei. A moça atendeu e tascou: “Quem gostaria?”. Tive um momento de indecisão, mas estava certo de que não me movia qualquer prazer na chamada. “Ele, naturalmente”, respondi. Ela ficou muda. Não entendeu nada. Ora, se o cidadão pediu que eu ligasse, e eu não o conheço, o possível prazer só pode ser dele. Desliguei. Ele, que pensei inicialmente andasse à procura desse prazer em falar comigo, não voltou a ligar.
Onde é que estão padronizando esse linguajar? Por que substituíram o “quem quer falar”, ou “da parte de quem devo anunciar”? Já fomos mais bem educados e bem mais simples. Ultimamente estamos nos transformando em autômatos repetidores de chavões decorados.
Os economistas pegaram a palavra “apoio” e a substituíram por “suporte”, que eu tenho lá em casa para não deixar a estante cair. Trouxeram diretamente do inglês, sem a menor preocupação com a existência de uma palavra apropriada na língua-mãe.
Eu já estava até suportando essa palavra quando li num texto que me enviaram para revisão: “…as ações serão suportadas…”. Não dá! De algum tempo para cá venho notando uma substituição eufemística de algumas palavras por outras supostamente mais sofisticadas. Morrer tornou-se falecer, ter virou possuir, parentes foi substituída por familiares, aliás foi trocada por inclusive, vender foi vencida por comercializar, definir ocupou o lugar de decidir, pôr virou colocar (exceto para o sol que se põe e para as galinhas poedeiras, felizmente). Todas foram mudanças impróprias. Mas estão aí, impulsionadas pela mídia.
Já havia me acostumado ao verbo “deletar”, palavra de boa origem latina, mas importada pelos informatas, quando ouvi um avião de traficante dizer numa entrevista que seu chefe mandara “deletar o cara”. Até bem pouco tempo, o verbo deles era “apagar”.
Esses informatas são de matar. Mexo no computador cheio de dedos melhor dizer “pisando em ovos”, já que o uso dos dedos é muito óbvio no caso do computador -, e ainda assim, dia desses surgiu na tela uma enorme advertência: “Você executou uma operação ilegal e o programa será desligado”. Tremi nas bases. Logo eu, que nunca fui parar sequer no cadastro negativo do Clube de Diretores Lojistas. Operação ilegal? Me senti o próprio traficante, mandando deletar pessoas. Ah, essa novilíngua, um arremedo do admirável mundo novo, parece que veio para ficar.