O Açúcar Não é Tão Doce

Descobri há muito que os sábados podem ser períodos de grande atividade mental. Um vislumbre de tranqüilidade após as semanas corridas em que os tantos papéis se confundem, sufocam e impedem alguns olhares mais aprofundados para dentro de nós, que precisamos tanto disso às vezes. Em meio a trabalho, supermercado, casa, carro, rotina e imprevistos vivem, em suspenso e à espera de maturação, alguns poucos e preciosos sentimentos, que merecem seu próprio tempo. Meus sábados têm sido esse momento.
Conversava, há pouco, com uma pessoa muito querida, que percebeu e apontou em minhas palavras um desses sentimentos que, para variar, estava abafado pelas lamentações fáceis, a azáfama, a falta de visão, o calor escaldante e toda a sorte de empecilhos cabível. O dia a dia é armadilha fácil para os desatentos, mesmo que momentâneos. Um piscar de olhos e deixamo-nos atingir pelo sofrimento, a aspereza, crueldade e desconfiança, alheios ou próprios. A partir de então, gravitamos em órbita infinitamente inferior, sem perceber, arrastados pela onda de lama da agonia, que se agiganta a cada um que arrebanha pelo decorrer dos dias. Fenômeno tão poderoso que nos faz esquecer da individualidade, da capacidade de nos colocar acima da vontade alheia e ser feliz sim, independente dos quereres de seja lá quem for.
Assim, talvez na minha forma de expressar uma idéia, essa pessoa sugeriu que eu escrevesse sobre a docilidade. Bastou ouvir a palavra para desencadear uma avalanche de ternura, na maturação exata que o sentimento esperava. Na verdade, é a doçura que tem rondado a minha vida. Num silêncio demorado, encabulado e repleto de significados, está presente onde quer que olhe com os olhos da alma. É algo que não se define, existe e cresce com o tempo, como uma pequena planta que recebe sol e água e se desenvolve tenra, viçosa, pura. O que me surpreende, mais que sua existência, é como pode ser sufocada por acontecimentos tão menos nobres e muito mais poluentes do sentir. Que bênção maravilhosa essa descoberta quando a vida parece significar quase nada…
A doçura tem olhos verdes e grandes. Mãos macias como nuvens. Corpo de homem, grande e vigoroso, para mostrar sua força. Voz suave que chega aos ouvidos como uma brisa cálida a correr nos campos repletos de girassóis. Tem cheiro de frutas frescas e suculentas, que escorrem da boca como um beijo molhado e infinito de bocas apaixonadas. Pele morena do sol e do tempo, exala desejo por todos os poros e faz-me louca para mergulhar nessa doçura trêmula. É tímida, como eu, e tem o mesmo brilho no olhar que tenho quando a vejo. Deveria vir em invólucro aveludado, porque é preciosa, mas chega assim, desprotegida, de braços abertos e sorriso meigo.
A doçura é serena e benfazeja. Tem forma de coração guardado na cabeceira da cama, esquecido do peito, para pulsar com total liberdade na palma da mão. Tem orgulho, respeito e confiança. Tem palavras rabiscadas no papel em noite de saudade e lua cheia. Não sabe o que é o medo, porque é toda certezas. Sabe que há um vínculo que a permite aparecer quando precisa saciar a fome, sentir e cheirar o vento, manter aceso o florescido há muito, muito tempo, num dia em que cantou a música que uniu o que os oceanos separam.
A doçura existe sim e até tem nome… olha para mim como se me beijasse repetidas vezes sob a chuva gostosa do verão e é o que basta para me acordar. Convida a dançar e a rir à toa e ser feliz assim, de tanto bem querer. E eu quero. Já aceitei o convite há muito tempo, mas acho que ainda não disse isso a “ela” (como se fosse preciso).
O sábado é um excelente dia para dizer que se ama alguém, não?
Mas aí já quero estar bem longe.