Roma. Domingo. Início de maio. Desembarquei com minha mulher no Leonardo da Vinci numa tarde de pouco sol. Apenas um guichê recebia os turistas que, aos montes, chegavam à Cidade Eterna querendo informações. Em compensação, circulando pelos corredores do aeroporto, italianos palavrosos, aos berros, ofereciam “pensiones” baratas, e, segundo alardeavam, bem no coração de Roma.
Entusiasmado, aceitei a oferta de um deles. Principalmente porque, de acordo com o tagarela calabrês, a sua “pensione” ficava ao lado do Fórum Romano, que eu sonhava conhecer, desde meus tempos de estudante de Direito. Sabia que, no local, somente iria encontrar ruínas. Mas, durante a minha visita, alguém recordaria esta lição de Ulpiano: “Os preceitos do Direito são: viver honestamente, não prejudicar a outrem, dar a cada um o que é seu Juris praecepta sunt haec: alterum non laedere, suum cuique tribuere.” Ou do jurista Paulo, que “nem tudo o que é permitido é honesto Non omne quod licet honestum est.” E foi o que aconteceu.
Na pensão, apenas, pernoitei! Explico. O hotel ficava realmente a dois passos do Fórum Romano. Mas era modestíssimo, e muito caro. À Ivone segredei que havia comprado gato por lebre. Depois de um bom vinho tinto seco, o pernoite transcorreu sem anormalidades.
Acordei decidido a mudar de pensão. Paguei a conta, e saí procurando uma pousada melhor. Terminei o dia confortavelmente instalado no Hotel Giolli, na Via Nazionale. Foi tudo muito divertido. Uma extraordinária experiência para quem decidira enfrentar o Velho Mundo sem a ajuda das, nem sempre eficientes, agências de viagens. Um conselho: na Europa, desconfie da primeira oferta.
Pesquise, pergunte, pechinche. Também por lá vagueiam espertalhões.
A primeira visita foi, claro, ao Vaticano. Naquela manhã primaveril, chovia muito em Roma. Por isso, o encontro com João Paulo II se deu no interior da Basílica, e não na Praça de São Pedro. Depois de ver a Pietá, e fazer uma prece no túmulo de Simão Pedro, fui à Capela Sistina. Queria admirar, sem atropelos, o “Juízo Final”. O tempo que permaneci na belíssima capela, foi o bastante para ver, e nunca mais esquecer, detalhes importantes do afresco de Michelangelo.
Pois bem. Dia desses, li numa revista as declarações de um jesuíta criticando o “Juízo Final”, continuação do painel “Criação”. O reverendo garante que descobriu, no famoso fresco, o que chamou de “figuras adamadas”! Gays, em outras palavras. Apareceram nos jornais alguns comentários sobre a opinião do jesuíta. Uns defendiam o padre; outros o chamavam de biruta. Houve até quem levantasse a hipótese de que Michelangelo também era gay. Não entro nessa polêmica.
Contudo, posso assegurar que não vi, no “Juízo Final”, os gays do jesuíta. Me recordo bem, que deixei a Capela Sistina visivelmente preocupado. Observara, no questionado afresco, não a presença de maricas, mas criaturas apavoradas diante do seu Criador, que me pareceu enojado… Na ocasião, perguntei a Ivone: seremos nós, amanhã? E ela: “Quem sabe!!!”
Confesso que já me preocupa o que andam dizendo da Monalisa; e o que, mais tarde ou mais cedo, poderão dizer da Vênus de Milo…