Não lembro quem foi que dissertou, certa vez, sobre a tese de que “há pessoas que, inexplicavelmente, insistem em ser felizes”, apesar de tudo – entendido por “tudo”, evidentemente, tudo – inclusive achar que o racionamento de energia é um “dever e exercício de cidadania”, com cada um de nós, como bons brasileiros que somos, bradando aos quatro cantos que “estamos fazendo nossa parte”. Claro, ser feliz é amar as mulheres erradas, considerando que todos os foras são sempre um aprendizado e um amadurecimento; é, acima de tudo, assumir a condição de brasileiro; é ter eleito o FH (e ter achado “normal” que ele pudesse se reeleger); é considerar que o Leomar é um teste positivo para a seleção; e, claro, valorizar cosas nostras, como É o Tchan no Hawaii, ao invés de aberrações enlatadas e empoeiradas, como Miles Davis.
Fico pensando no que seria pior: ser um feliz enrustido ou um triste assumido? Leio numa ótima crônica uma máxima que diz que “é muito triste ser feliz”. É possível que eu tenha nascido numa época errada, porque simplesmente não me encontro em lugar algum, acho mesmo que está tudo errado e que o apocalipse está próximo. Melhor esse ceticismo do que, pretensiosamente, crer que o mundo inteiro – aquele que Pessoa filosofou dizendo que o conquistamos antes de nos levantarmos da cama, até acordamos e percebermos que ele é opaco, alheio – está redondamente (sem trocadilho) enganado, e o bonitão aqui com a razão. Nem se trata de humildade, mas puro semancol.
Onde quero chegar? Não sei exatamente. Juro que não queria fazer um texto político, ainda mais com tão poucos assuntos em pauta, tirando a crise de luz. Estamos com falta de luz! Puta que pariu! Desculpem o modo pouco educado, mas é a única frase que me ocorre cada vez que tento racionalizar o problema, situação esta que, em outros lugares, só se dá em tempos de guerra. É guerra! Aliás, é bom nem dar idéia, senão daqui a pouco começam a soltar umas bombas no Paraguai como pretexto. E não duvido que apontem o cronista como bode expiatório.
O que mais me causa perplexidade é esta subserviência quase bovina com que o povo se coloca diante do problema. Como se ele, povo, fosse o grande culpado, o gastador inconseqüente, o esbanjador inescrupuloso. Coloca-se a coisa de forma tal que a massa assume uma culpa que lhe é imposta sutilmente, sem que ela se dê conta. E essa culpa acaba aceita como verdade absoluta. Faz-se uma fachada do “vamos ter que economizar”, colocando tudo na primeira pessoa do plural. Sim, “nós” vira uma coisa só, massa e governo, poder e povão. Hora de pagar a conta do descaso? Eis o momento de socializar as perdas, “todos temos que economizar”, quanto humanismo!, lindo, lindo, clap, clap, clap.
Estamos em guerra, e é guerra no escuro, e como publicou uma revista semanal tida como “de credibilidade”, Roberto Campos (!) já alertava para a grave situação em 1968 (essa foi o fim). A bomba explodiu nas mãos do FH, coitado. Mas a culpa mesmo, ora, de quem é a culpa? Tem uma peça do Brecht, uma das últimas, em que ele aborda uma crise de superprodução de algodão por parte do governo imperial chinês. É nego empurrando algodão e culpa para todos os lados e é claro, não foi o governo quem produziu demasiadamente em seus ímpetos mercantis, mas a natureza quem andou com acessos de megalomania. Resultado: todo mundo paga a conta, menos o Estado. Familiar? Sim, o gabarito da pergunta acima é “a natureza”, parabéns.
Não sei se sou eu quem quero ver coisas demais, mas Pedro Parente, o ministro daquele ministério que a gente não sabe exatamente o que faz, em todas as suas declarações, dá um jeito de encaixar um “os investidores não podem ser afugentados”. Dane-se se o nosso banho terá de ser reduzido a uns meros pingos mixurucas e, preferencialmente, gelados, ou se o microondas terá de ser aposentado e a comida fique fria, o importante é que o Brasil tem que continuar crescendo, os investidores chegando na fita e o crescimento econômico firme nessa trajetória linda que deixa o FMI em êxtase libidinal.
Apesar de todo este papo me deixar realmente meio pra baixo, tem um problema sério: é que gosto de ser brasileiro (já vivi em outro país, portanto, estou credenciado a dizer isso). E, no fundo, sei que o Leomar é um Vampeta a ser redescoberto, sou especialista em ser descartado pelo mulheriu e já parti em dois meu “Kind of Blue”. Pô, eu também quero ser feliz!
Ah, e o último a sair, por favor, que apague a luz. Olha o esforço de guerra!