“Um barco, sem porto, sem rumo, sem vela
Cavalo sem sela
Um bicho solto, um cão sem dono…”
(Zeca Baleiro)
… e nos meus gestos ficaram as marcas de uma solidão arcaica, numa espécie de mímica inventada como disfarce de um ato simbólico de normalidade. O vento soprou para longe a minha alma, e as asas do meu coração se fizeram radiantes, num incrível mimetismo de partidas simultâneas. Foram embora a vida, a morte e o legado de uma desatinada paixão. O vento foi, e atrás dele, eu corri…
Indiferente à placidez do Absoluto, eu contamino de loucura as trevas de uma noite sem fim, porque os meus olhos em fuga se perdem sobre minha cabeça, extasiados pelo faiscar de uma estrela que nasce. Há qualquer coisa de atração entre mundos, porque a minha boca está colada à boca da cerração noturna, e os meus pés abandonam o solo, e eu flutuo, sob o luar, protegido como filho pródigo do Criador. Eu quero o amor por entre os astros. Eu quero a carícia delicada em meu pescoço. E assim eu fui o grande infrator dos teus sonhos, porque me fiz boêmio, criei personagens, decifrei códigos e lhe contei pequenas lendas. As minhas mãos ficaram entrelaçadas nos seus dedos enquanto você sonhava, para que pudesse dormir sem medo. Ao seu rosto, eu encostei o meu rosto, como justificativa de proteção, e senti, inversamente, que era você que me guardava. E abracei o cosmo, amei as esculturas em mármore e fui o dono da história.
Como a própria imortalidade de um amor totalitário que desafia os parâmetros plausíveis da vida, eu me perco como se perdem as pessoas de seus passados, quando do seu olhar abrupto imortalidade da paragem encantada ao redor de mim, e do disco que continua a repetir a sua música, sempre. Eu não sou o seu poeta, eu sei disso (e você, também), mas um dia eu lhe ofertarei, quem sabe, um único verso, que não seja belo, que não seja sequer poético, que não seja, talvez, nem verso, exatamente, mas que explique, sem explicar, a cadência dos meus desvios, as vicissitudes do meu âmago, o malabar dos meus escritos. Eu redigirei, e você poderá gritar ao mundo: “eu sou a magia do poema…”. Todo e qualquer tratado sobre o amor se tornará vil e obsoleto, e você, enfim, entenderá sua existência.
Um dia, não muito distante, eu estarei, quem sabe, no meio de um oceano, remando calmamente um pequeno barco, e lembrarei então daquela canção em que alguém deságua em outro alguém… Será tão triste ter você assim, como uma mancha de beleza cravada na retina do meu coração, em meio as águas que serão o meu chão e o meu limite. Mas só eu lembrarei de cada detalhe da redoma de cortejos a qual você sempre esteve envolta, e os seus contornos continuarão a moldar novos corpinhos de princesas e novas paisagens nos altos mirantes, porque todas as criações da natureza se renderão à eternidade da sua saga terrena.