Andaram me perguntando como será meu Réveillon. A todos, sem rodeios, respondi: modesto. E garanti: ninguém vai me encontrar em resorts. Nem sob nevascas impiedosas, como aconteceu quando 2000 nasceu. Gostei muito. Mas não era a minha realidade. Ou, como diz a galera, “a minha praia”. Tudo muito diferente, inclusive a cervejinha. Senti saudades daquele sabor que nos encanta quando a degustamos sob o intenso calor tropical.
O novo Milênio me encontrará sob o aconchegante céu da Bahia. Gostaria que fosse um céu enluarado. Mas não será como eu quero. Me diz a folhinha da parede que a noite do dia 31 será de lua em quarto-crescente. Uma pena. Não há coisa mais linda sob a face da Terra do que o plenilúnio visto da varanda do meu apartamento, aqui, nesta Salvador de Deus e de todos os deuses. Tenho, diante dos meus olhos, quase cento e oitenta graus de oceano. Vale lembrar, com os encantos e os mistérios que só os mares da Bahia oferecem. Se acreditasse em Iemanjá, em questão de segundos estaria na praia ofertando flores, espelhos, sabonetes e perfumes à vaidosa rainha dos Terreiros.
Não devo sair de casa. Será, pois, um Réveillon doméstico. Soube que Ivone, minha mulher, está preparando uma ceia.
Que não seja lauta.
Que seja farta, sim, pero, sóbria.
Fiz, apenas, um pedido: que, em vez de vinho, me sirvam cerveja bem gelada. Como tira-gosto? Castanha de cajú, vinda do Ceará.
À meia-noite, estarei ouvindo CDs alegres. E tentando esquecer tudo… Ah, são tantas as relembranças que me assaltam e me sufocam a cada fim de ano! Nunca foi fácil deletá-las. Ainda sou um sujeito dado a demoradas excursões ao meu ontem…
Mas, vou fazer tudo para só recordar o que de bom, em 2000, me acontece. Pra que relembrar, por exemplo, que em maio u’a cirurgia me tirou de campo? E o jovem médico ainda proibiu a cervejinha e o acarajé dos meus fins de semana, o que considerei mais cruento do que a cirurgia…
No último dia do Século XX, não serei um pessimista a mais a perambular por aí. Não sairei pelo mundo me dizendo um azarado; um camarada sem sorte. Não. Sem sorte foram os que não viram o Terceiro Milênio nascer; nem viveram em dois séculos, como este privilegiado escriba. Em janeiro de 2001, poderei escrever: isso aconteceu no século passado. Eu vi! Como testemunha de um Tempo, poderei dizer: amigos, muita coisa linda ocorreu no milênio que acaba de expirar. Querem um exemplo? O nascimento, em 1182, de Francisco de Assis, que os Continentes escolheram como o Homem do Milênio.
Quando o rádio, a TV e as ruas estiverem anunciando a chegada do Ano-Novo, lembrarei aos meus amigos, entre um trago e outro, que “O último dia do ano/ não é o último dia do tempo./ Outros virão. = O último dia do tempo/ não é o último dia de tudo”, de Carlos Drummond de Andrade. E a todos desejarei, comovido, um Feliz Século-Novo!