Em dezembro, tudo nos leva ao presépio. E nesse clima natalino, são envolvidos os que crêem e os que não crêem no “Bambino de Belém”. Era assim que São Francisco chamava o Pequeno Grande.
Conheço agnósticos juramentados que, nessa época, esquecem seus catecismos, e, de bom grado, aceitam o abraço natalino do irmão crente. Alguns, inclusive, chegam a ir à missa do galo! São conduzidos por um sentimento que eles não sabem explicar, quando inquiridos a esse respeito.
Um desses ímpios, é meu amigo. Me disse certa feita, aos cochichos, é claro, que os símbolos do Natal – estrelas, sinos, a coroa do advento, guirlandas, a árvore piscando, e até a botinha do velho São Nicolau -, sempre o comoveram! Admitiu que, ao tocá-los, chega a questionar a sua falta de fé “num camarada chamado Jesus”.
Num desses Natais, o flagrei fantasiado de Papai Noel! E o mais surpreendente: assobiando “Noite Feliz”. Noutra ocasião, o encontrei ao pé da radiola escutando Andrea Bocelli interpretar “Adeste Fidelies”. Lamentou não saber cantar “Jingle Bells!”; ou “White Christmas”, como tão bem fazia o festejado Pat Boone. Na ocasião, disse-lhe que preferia ouvir “Natal Branco” na voz de Bing Crosby. E travamos um demorado, singular e nostálgico papo sobre o Natal.
Observei que ele vibrava com a singeleza dos presépios; se indignava com a riqueza das catedrais; e não aceitava a ceia natalina. – E disparava: “Perus, presuntos, amêndoas, vinhos, queijos… por quê?” Difícil não concordar com o meu amigo ateu: nós, ele e eu, moramos num país de esquinas, favelas e viadutos repletos de famintos…
Recentemente nos encontramos num shopping de Salvador. Ele não perdeu tempo: questionou a guerra no Oriente Médio. Sabedor de que sou um católico que lê a Bíblia, me perguntou: “Companheiro, que diabo querem esses árabes e esses judeus? Eles se dizem amigos de Deus, (Javé ou Alá), e não hesitam em destruir os lugares que eles consideram santos. Jerusalém, inclusive.”
Fiz-lhe ver que não só Jerusalém, como Jericó, Hebrom, e outras cidades da Judéia que um dia hospedaram o Rabino. E ele: “Ainda bem que a guerra não chegou a Cafarnaum, a Nazaré e a outros locais da Galiléia visitados pelo Mestre, segundo sua Bíblia”.
Lembrei-lhe que, em compensação, Belém estava sendo bombardeada. E enfatizei: ao invés de estrelas corruscantes e alegres, foguetes assassinos riscam os céus da pequenina cidade de David. De repente, uma bomba traiçoeira pode destruir o berço do “Bambino de Belém”. Os turistas nunca mais terão, ilustrando suas fotos, aquela milenar inscrição: “Hic de Virgine Maria Jesus Christus natus est”.
Encerrando o papo, perguntei ao amigo se ele sabia da última. E ele: – Não.
Os jornais anunciaram que Belém não vai festejar o último Natal do milênio.
– Por quê? Indagou, surpreso.
Porque os canhões não vão permitir, respondi.
Meu amigo ateu ouviu calado, e se despediu – coisas do Natal! – fazendo o sinal da cruz…