São muitas as dúvidas do vacilante jovem ateu em busca da fé.
Os olhos do jovem investigam a imensidão do horizonte, com falhas na alma.
“Quero crer…”
O jovem rico abandona os trajes caros, os sapatos confortáveis, a certeza de uma herança e parte: tão pobre e tão só como um santo deve ser.
Dos lábios desse jovem nenhuma palavra santa pode sair para doutrinar quem quer que seja. Não há como, ele próprio é a esponja agora.
No princípio, as sandálias protegem os pés do andarilho, mas logo se rompem, deixando que os passos dele descubram a rudeza do caminho.
No vasto mundo… homens.
A primeira parada. Uma aldeia pobre, onde pessoas morenas enfrentavam de sol a sol as lavouras de café e de algodão. Ali havia uma tal ordem na natureza, que tornava-se impossível desmembrar aquele lugar da paz.
– Há paz em todos os recantos desta região. Afirmou o jovem para o ancião de rosto vincado por profundos sulcos enegrecidos.
– Terra quente, meu filho. Tem paz sim… na mesmice das horas todas, a gente pode sentir a paz. A gente vive sem espanto, para cada dia um salmo, para cada ferida um ungüento.
– E Deus?
– Aqui. E o velho tocou o próprio peito. Cada um com o seu e todos com o mesmo. Deus é simples, é verdadeiro… e tem uma cor só…
– Cor? Qual?
– Azul.
– Então, Deus é azul?
– Azul é proteção… quer proteção maior que Deus?
O jovem hesitou:
– Mas como posso acreditar em algo que não vejo?
– Coração duro, moço. Não vê porque não quer. Exige demais da vida. Não olha em volta… nunca pegou uma semente e plantou. Nunca reparou no milagre acontecendo bem na frente dos seus olhos, filho?
O homem falava e retorcia as mãos calejadas com vagar, enquanto aguardava uma resposta que não veio.
O jovem olhou para o céu escuro, apertou a mão pesada do sertanejo e partiu.
“Deus…”
Do alto da serra, massageando os pés doloridos, o rapaz observou na lonjura o mar. O poderoso mar lá embaixo.
“Posso morrer aqui, olhando a imensidão dessas águas. Meu corpo descerá às profundezas sem lamento… e a alma? Se existe uma, haverá um porto para ela?”
Doía pensar. Enigma funesto a torturar a vida de alguém que poderia ser livre.
Os pés machucados sentiram o ardor da água salgada e o corpo mergulhou no marulhar das ondas.
“Aqui, nestas águas, onde eu tantas vezes brinquei e fui feliz. Não havia, então, razão para eu aprisionar a minha mente em busca de uma resposta. Eu era a semente…”
Instintivamente, ele olhou para o abricoteiro do calçadão. Herança genética de uma semente, assim como ele próprio.
O pescador na lida. Uma vida de peixes, odores e entranhas de peixes. O pito no lado do beiço, a secura nos olhos. Vida dura, sem poesia.
– E Deus, homem, acredita nele? Era o jovem em sua busca.
– E como não? Sou homem de fé. E ele mostrou a medalha dourada presa ao pescoço.
– O que é isso?
– Santa Rita de Cássia. Medalha benzida, nunca que sai daqui. Esta vai comigo até pro outro lado…
– E do outro lado, o que é que tem?
– Anjos com harpa, não sei… Coro de anjos, brancura divina, melodia santa, Deus…
– E quem é Deus? Havia muita angústia naquela pergunta.
– Deus? É homem, mas homem diferente… é puro.
– Preciso tanto saber… mostra-me onde ele está.
– Ih, moço, eu acho que ele vive no alto, nos encantados do céu. Manda recado, fala com os santos… ele vai saber, ele sempre fica sabendo de tudo… ele se preocupa com todo mundo.
– Menos comigo.
– Se preocupa sim. Ele te mandou dois olhos azuis… Moço, você tem dois oceanos no rosto e nem se dá conta disso. Agradece… precisa lembrar de agradecer. Tem gente que nasce com oceanos no rosto, tem gente que nasce com a terra no rosto, existe também gente que nasce com as matas no rosto, tem olho de tudo o que é cor. Mas quer ver coisa triste é nascer com o escuro no rosto, é nunca ver o dia… mas sabe que a pessoa aprende até a viver com a noite? Acho que quem não pode enxergar essa lindeza que é o mar, o céu e tudo que existe na natureza, faz o milagre de se iluminar por dentro. Vira anjo ao contrário, vira luz de si mesmo.
Uma tristeza muito forte se abateu sobre o pescador, que começou a cantar. Sua voz era um lamento que parecia ir e vir como as ondas, agora espumas brancas dentro da quase noite.
Ao longe, o farol fantasiava a imensidão negra de água com sua faixa dourada de luz, lambendo a água e sumindo, lambendo a água e sumindo…
E, pela primeira vez em dias, o jovem armou o esboço de um sorriso. De si para si concordou que a parede que o separava da Verdade tornava-se cada dia mais fina e trespassá-la já era quase possível e, enquanto meditava nessas palavras, ajeitou-se ali na areia mesmo e adormeceu.
Por entre as folhagens de um dos abricoteiros, um menino curioso saboreava a paisagem noturna e contemplava o merecido descanso do andarilho.
Percebendo o jovem completamente adormecido, o menino abandonou seu posto e desceu. Uma brisa mais forte sacudiu as folhagens e elevou minimamente as vestes do pequeno ser, que pairando sobre a areia sem tocá-la com os pés aproximou-se do rapaz.
Com a mão direita estendida sobre o corpo do jovem, o menino proferiu as seguintes palavras:
– Falta pouco agora. Ninguém tem o direito de gastar toda uma existência mergulhada nas sombras da ignorância. Estou feliz por ter sido eu o escolhido para salpicar sobre seus olhos a poeira fina, que desperta a consciência e aciona os mecanismos da fé.
No vasto mundo… homens. E também esses seres fantásticos os anjos que alçam vôos e saem da terra, vão ao espaço, voltam e impregnam de bondade a aura dos viventes.