Pequenos Paraísos, os Bonsais

Bonsai
Eu
queria dizer
coisas
de raízes
tão profundas
tão prementes
tiradas dos versos
ocidentais
mas você é uma espécie
de hai-kai
você é um adágio
do oriente
e eu sou
uma espécie
de
bonsai
( Francisco Alves Júnior)
Desde que li o poema acima, poema do meu amigo Francisco-poeta, encantamento puro me tomou e minha cabeça foi buscando uma maneira de escrever uma crônica sobre bonsais. E é engraçado como tudo converge pra que eu escreva sobre eles. Outro dia, sem que nunca dissesse nada sobre o que pretendia escrever, um outro amigo me deu de presente um livro sobre esta arte japonesa.
No livro, li que bonsai quer dizer: bon significa “vaso, bandeja” e sai quer dizer “cultivo, plantação”, ou seja, cultivar plantas, pequenas árvores, em pequenos vasos na forma de bandejas.
Dizendo assim, nada de poético. Mas, olhando-se um bonsai, e alguns têm mais de cem anos, você aprende que ainda é possível encontrar pequenos paraísos sobre a face desta terra, planeta azul, segundo os que já a viram de longe, lá do alto.
Um bonsai é isto: um pequeno paraíso que guarda uma pequena árvore em seu centro. Ao seu redor nasce musgo, há pedras que se espalham, e o tronco retorcido da pequena planta antiga se retorce sabiamente pela mão dos anos, desenhando uma postura de antiga árvore.
Um bonsai é feito para ser olhado pelos poetas, pelos loucos de toda a espécie, pelos anjos, pelas crianças. Isso eu sei. Pequeno tesouro , miniatura do que julgamos extremamente imprescindível, é, sem dúvida, um jeito de guardar, ainda, o que há de bom no mundo…
Tenho dois bonsais para o meu olhar e, de vez em quando, eles explodem flores pequeninas e brancas e fazem de suas pequenas bandejas de louça um jardim de encantos. Um pequeno paraíso terrestre está ali, escondido entre folhas pequenas e fortes, um tronco minúsculo e retorcido que já tem , por certo, muito mais que dez anos. Se plantadas em terra de jardim, ou no meio de uma floresta, que tamanho teriam aquelas árvores hoje? Maiores que um homem, muito maiores, dariam sombra? E flores? É o que, às vezes, me indago.
Mas meu dois bonsais não me fazem pensar em sombras que protegeriam um homem ou dois, me fazem pensar no tempo, coisa que venho evitando fazer há muito… Meus dois bonsais me mostram que o tempo é valioso instrumento da existência humana sobre este planeta azul.
Ele nos traz, ele nos mostra. Mas ele também nos furta as coisas ou pessoas que mais amamos, caso não saibamos administrá-lo. A ele cabe decidir o sabor da distância, o envelhecimento, a sabedoria, as perdas. Tudo passa sabiamente pela mão do tempo, depurador dos destinos, indicador de saídas. Mas os covardes não sabem disso, nem tampouco podem amar um bonsai.
Nos bonsais, o tempo é mão preciosa que molda os troncos, que decide formas e podas, que enseja delicadeza. Quanto mais velho um bonsai, mais precioso… mais pedras se acrescentam ao seu redor , de todos os tamanhos e formatos, mas sem nunca sufocar o musgo ou perturbar o crescimento da árvore pequenina.
Presumo que a primeira pessoa que se decidiu por tentar um bonsai, espelhou seu trabalho na reconstrução do Paraíso Perdido… e é assim que os vejo, os meus bonsais: pequenos paraísos. Por isso que as crianças, ao vê-los, batem palmas, fazem perguntas, inclinam-se perplexas e felizes sobre eles.
Por isso que os anjos, de quando em vez descem sobre a minha casa e examinam os dois bonsais sem que eu os veja, mas sinta. Talvez, nunca alcançados pelos meus humanos olhos, dancem em volta deles e toquem músicas de sonho. E talvez riam e, quem sabe, como as crianças, batam palmas. Não sei…
Um bonsai , imagino, é um jardim que se criou a partir de um modelo. Mas que modelo será esse senão aquele que nós, humanos, conhecíamos há muitos e muitos séculos, milhões e milhões de anos?
Olho os meus dois bonsais: o que têm que tanto me inquietam?
Olho os meus bonsais e me pergunto o que seria de mim se não tivesse olhos para olhá-los? Ah, há muitos cegos que enxergam… me ocorre dizer isso ao meu humano coração.
Se eu não tivesse olhos, na certa tatearia devagar, com a ponta dos dedos, descobrindo pequenos galhos, o pequeno tronco, o musgo, as pedras, o suave paraíso que ali se instala… mesmo que cega fosse, com certeza eu ainda poderia descobrir o que há num bonsai e ele seria tão lindo quanto me é.
E eu, com a ponta dos dedos, devagar como convém aos cegos, descobriria que ali o tempo, senhor de tudo e de todas as coisas, teria traçado seu mistério-enigma para que fosse desvendado.
Como se fosse um aviso de que tudo passa e se transforma. Como se fosse um aviso de que a vida é mesmo como um pequeno bonsai: puro desejo de reter o Paraíso que cada um tem, ainda, guardado na lembrança, bem lá do outro lado, o lado de dentro dos nossos rudes e desesperançados corações.