Plim Plim

__ Meu Deus, acho melhor largar o psicanalista, estou me ajustando demais a mim mesma. Não quero me aceitar, em hipótese alguma! Que monotonia! Não há quem me suporte assim. Nem eu!
Olhou a tela branca e pensou , em voz alta, num tom sobre tom, bem semitonado:
__ É isso mesmo! Eurica, ops, Eureca (ou será Heureca, com agá?). Não é assim que surgem as grandes idéias? Vou escrever uma crônica, ou melhor, uma des-crônica.
Entrou no site para assenhorar-se das regras. Gostava dessa expressão, assenhorar-se, achava extremamente elegante. Leu com atenção as regras e resmungou, em voz alta:
__ O quê tenho de interessante para cronicar ? Como faço para que prestem atenção no meu texto?
Ficou pensativa, concentrada, em estado alfa, portando, não pensou em voz alta, para não se atrapalhar.
Depois de alguns segundos, exasperou-se em voz alta:
__ Não, não é elegante começar uma crônica com um impropério. Não que cronista não diga impropérios, mas não fica bem. Quem sabe substituir por um “plim plim”, como no passado se fazia na tevê com algo inconveniente? A censura do plim plim. Pensando bem, era muito mais interessante o plim plim, ficava por conta da imaginação do espectador a espécie do impropério. Era uma delícia quando ouvia o plim plim, mesmo se não estivesse vendo tevê, pensava logo num plim plim enorme! Que coisa a censura, acabou com o plim plim, mas censurou a imaginação, restringindo-a a um simples texto de um novelista. Pô! Pura sacanagem essa!
Franziu o cenho e pensou, novamente, em voz alta. Aliás, era comum pensar em voz alta, uma espécie de diálogo consigo mesma, assim, vez por outra, contestava-se a si própria e aproveitava para contra-argumentar-se.
__ Será que uma crônica com exatamente 3.500 caracteres tem alguma chance? Pensou de novo no plim plim. Será que 3.500 é um número mágico, não poderia ser 3.512? Ficou mais alguns segundos olhando o primeiro parágrafo (é bem verdade que ficou tentada a escrever mais um ou outro plim plim, mas era arriscado demais).
Deu uma boa tragada no cigarro, tentou fazer aquelas rodelinhas com a boca e, engasgada com a fumaça, preocupou-se, em voz alta:
__ Será que devo dizer no meu pequeno histórico que sou fumante? Melhor omitir, nunca se sabe o que significa dizer, com simplicidade: fumante.
Passou as mãos pelos cabelos, irritada, e perguntou-se:
__ E o tema desta crônica que não aparece, não flui, pô! Até agora, de bom mesmo, só o plim plim. Quem sabe algo de supetão? Inesperado? Que tal um bom karaokê, dentro de um elevador apinhado e encrencado no meio do vigésimo andar? Hummm! essa sacada foi de cabo de esquadro! Que lástima imperdoável, que falta de criatividade! Mas que culpa tenho se o Veríssimo cronicou o Lalau e só me resta cronicar o horário político e debate dos candidatos do segundo turno?
Levantou-se , foi até o banheiro, mirou-se no espelho. Nada lhe ocorria. Apenas o óbvio, o mais absoluto, sarcástico e cruel óbvio. Aliás, ela mesma era óbvia, sua grande característica, o óbvio, sempre fora a sua praia, não via razão nenhuma para o inusitado. Difícil mesmo é o óbvio, quem agüenta o óbvio tem futuro absolutamente óbvio.
Bocejou com muita feminilidade, aprendera isso vendo alguns filmes, na TNT, da Greta Garbo. Clicou “contar letras” do “word”:
Páginas: 2
Palavras: 555
Caracteres (sem espaço): 2.718
Caracteres (com espaço): 3.286
Parágrafos: 17
Linhas: 61
Por que fui copiar tudo? Gastei os caracteres até o ultimo tostão. Onde coloco, agora, o meu último PLIM PL?