“Quem não gosta de samba bom sujeito não é, É ruim da cabeça ou doente do pé.”, trecho da música Samba da Minha Terra de Dorival Caymmi, definindo o amor que o brasileiro tem com o samba, o carnaval. Sempre fui relutante quanto a essa festa popular. Nós brasileiros, culturalmente dizemos que o ano começa depois do carnaval. Essa cultura sempre me irritou, porque perdemos um mês e meio de desenvolvimento. Além disso, pessoas que não tem como se sustentar durante o ano inteiro, sacrificam-se para ver ou participar da maior festa brasileira, se não a maior do mundo. Ou seja, passam por dificuldades financeiras e sofrimentos 364 dias para um dia, um somente, cair na folia.
Pois é, caros leitores, estava completamente enganado. No carnaval que se passou, tive uma experiência única: desfilar numa escola de samba.
Há um ano, um colega da faculdade me convidou para participar do desfile da escola que ele fazia parte. De bate pronto respondi que odiava carnaval. Passou algum tempo, e novamente naquela mesa do bar, o colega faz o mesmo convite, confessando que sentia o mesmo antes de desfilar pela primeira vez. Diante dessa argumentação e passivo para aceitar novas experiências e aventuras, aceitei. Com receio, mas aceitei. O que poderia acontecer? Nada. Poderia sim, odiar ainda mais a festa. Ao contrário, adorei.
A aventura inicia-se com duas idas ao barracão da escola de samba Flor de Vila Dalila. Escola não muito conhecida, pois figura no grupo A1, algo como terceira divisão da Liga das Escolas de Samba. Eram o ensaio e os preparativos de fantasias e carros alegóricos. Com muita bagunça. Já estava esperando desorganização. Mas aquela superou as expectativas. Como bons brasileiros, foi-se deixando tudo para última hora. Fantasias inacabadas e carros alegóricos sendo conferidos os últimos retoques. Este cenário faltando menos de 12 horas para o desfile. Torço para que nada dê errado, afinal sou um novato.
No dia do desfile, segunda-feira, chego duas horas antes da saída do ônibus. Era pra ser duas horas. Quatro horas e meia foi o tempo total. Fantasia. Experimenta aqui, experimenta ali. Uma parte fica legal, outra não. Precisa de ajustes. Cola-se velcros e costura-se outras partes. Costeiro para ajustar e chapéu a ser moldado no tamanho da cabeça. Maquiagens para as mulheres. Correria pra cá e pra lá. Gritos. Nervosismo. Imagine de trinta a quarenta pessoas dentro de uma casa. Vou calçar minha sapatilha. Como não tenho sorte, sento numa cama alheia e vou para o chão. Quebrei a cama. Loucura! Tudo pronto, hora de ir para o ônibus. Estávamos atrasados. Ficamos uma hora e meia dentro do ônibus. “Sem fantasia não entra!”, gritavam. Entraram várias pessoas sem fantasia. “É para trocar de ônibus.” Ninguém se moveu. Isso deve ter acontecido 527 vezes. Haja paciência. Já estava pensando em deixar o ônibus e ir pra casa. Poderia ficar sentado em minha poltrona na frente da tv, bebendo vagarosamente minha cerveja.
Finalmente o ônibus se move e a cantoria começa. Lembrei dos ônibus que levam torcedores para os estádios de futebol. Batuques, palavrões e empurra-empurra. Cuidados para não amassar a fantasia. Muito cuidado. Chegamos rápido. Na descida dos ônibus, outra confusão. “Cadê o meu chapéu?”, ” Você viu o meu costeiro?”. Quando percebi, meu chapéu estava nas mãos de outra pessoa. Tudo ajeitado. Chapéu com plumas brancas, costeiro com plumas pretas, saia com babados azuis e brancos e sapatilha preta. Um luxo. Fomos para o sambódromo. Antes, um salva-vidas: camelô vendendo cervejas. Com cerveja nas mãos, fantasia nos trinques e samba no pé, estávamos prontos. Os organizadores, chamados de pessoal da harmonia, começa a organizar as alas. Alinhados, chegamos na concentração. Uma barreira à vista. Seguranças não deixam entrar com cerveja. Desperdicei metade de uma latinha. Presto atenção na organização do desfile. Não imaginava que no sambódromo as coisas iriam ser daquela forma. Seguranças e orientadores para todo lado. Acostumado a desorganização, nem parecia negócio de brasileiro. Entramos e o pessoal da harmonia diz para não ter muita evolução por causa das fantasias. Fico ouvindo sem entender nada. Olho a minha frente. Luzes da avenida, carros alegóricos e som da bateria dando os primeiros acordes. Estou prestes a entrar num mundo desconhecido. Não, já estou nele.
Fotos são tiradas e uma sirene toca. A bateria começa a tocar à todo vapor. Cinco minutos de fogos de artifício. Impressionante a festa. Começamos a andar. Caminha um pouco e pausa. Mais um pouco e pausa. Na entrada do sambódromo e já sambando a adrenalina sobe. Muitas luzes, flashs e público pulando e cantando nas arquibancadas. Entro completamente no clima. Não penso em mais nada. Observo os outros integrantes da ala. Estão maravilhados… como eu. Não sei cantar o enredo. Só o refrão. O tema da escola era o mar. Por isso a fantasia azul.
No início do sambódromo, vejo no lado esquerdo minha namorada tirando fotos e minha mãe pulando feito louca. Vou olhando as pessoas que ficam nas mesas e nos camarotes ao lado da avenida. Muitas aplaudindo e cantando. Vejo que às vezes fica um buraco na ala. Vou pra lá. Pontos para a harmonia. Um integrante da ala levanta os braços e olhando pra mim, aponta para o público. Olho para o público e levanto os braços também. Emocionante. Estão cantando e acenando para gente. De repente, precisamos apressar o passo para não estourar o tempo. Vera, sambista que conheci na escola, pede para ficar na linha de frente da ala, cobrindo o lado direito. Lá vou eu, encabeçando a ala, admirando o mestre sala e a porta-bandeira dando um show. Passamos pela bateria. Dá mais vontade de sambar. Nesse momento, parece que o batimento cardíaco fica em sintonia com a bateria. Ela encabeça o desfile e depois fica parada. Espera a última ala passar e termina o desfile. Comovente.
Chegando no final da avenida, poucas pessoas nas arquibancadas. Gritando e aplaudindo. Na dispersão, novamente a boa organização. Os instrutores pedem que vamos direto para os ônibus. Sambando e cantando sem parar, vamos. Se pudesse, a Marginal Tietê seria a extensão do sambódromo. Direto para o ônibus. Todos param de cantar. Um pouco só. Quando o ônibus começa a andar, a cantoria inicial retorna. As fantasias são jogadas num canto e pisadas pelos sambistas mais afoitos. Chegando na escola, não sobra fantasia alguma para recordação. Todas amassadas. Assistimos uma fita gravada por um torcedor e depois fomos para um bar comemorar. Entre cervejas, uísques e conhaques samba, muito samba até às 6:00h da manhã. Vou para casa e levo uma bronca da namorada que ficou me esperando.
Na recente entrevista concedida para o talk show americano Late Show de David Leterman por conta de sua indicação ao Oscar, Fernanda Montenegro disse que o carnaval é uma festa que une ricos e pobres. Pude comprovar no sambódromo. A emoção que contagia as pessoas é indescritível. Tem que viver o momento. No próximo ano, estarei lá. E com a minha ala, participando de toda a confusão. Vale a pena. O jornal americano The New York Times do dia 15/02, fala de um Brasil que dá as costas para a crise e “as ruas se enchem de bandas de música e de foliões fantasiados para que o limite das convenções se desfaz.” A magia do carnaval maravilha. Esquece de tudo. Entrega-se a festa. Todos brincam, sem julgamentos. É uma verdadeira festa para ricos e pobres.
colaborou Bernard Soihet