Ruas da Cidade*

Augusto pede-me para comprar presentes para a família. Ando pelas ruas a pé, a brisa quente do verão no rosto. Há ruas nas quais sinto-me atriz e espectadora. Ruas que jamais mudarão, que marcam a cidade. Essa rua por onde passo agora tem nome de rainha, é a rua das mulheres que têm tudo e dos homens que dão tudo às mulheres. Augusta. É um trajeto mágico cuja finalidade é estar ali, ser vista, comentada, admirada. É a rua das mulheres que levantam de manhã de penhoar com boás esvoaçantes, tomam banhos de espuma e depois do desjejum no qual se incluem ovos de rouxinóis chineses, dedicam-se ao trajeto mágico. Os transeuntes cruzam-se rapidamente, o contato é tão impessoal que se percebem fragmentos,,flashes, nunca uma análise minuciosa. Há traços de cabelo loiro cintilante, de cabelo preto brilhante, curvas de cintura sensual à mostra, retalhos. Não há prêmio maior do que o olhar de admiração ou de inveja, trocados. Desfilam os adeptos da aeróbica, exibindo corpos perfeitos, chegam em motos os motoqueiros da paquera, trazendo no selim a última conquista. O tempo corre rápido nessa rua de sonho, e mesmo quando tudo pára, os seres irreais continuam desfilando sem conseguir fixar-se num objetivo. Pertenço a essa gente que transcende a cidade e, portanto, sei que voltarei para casa de mãos vazias mas com o pensamento pleno do pesadelo de que não acordo, cujo personagem é um anjo gordo e sujo que deverei eliminar fisica e mentalmente. Uma paixão alucinante. Dentro dessa vida irreal que agora vivo andando pelas ruas da cidade, tenho dentro de mim uma mulher de trezentos anos que de quando em quando desperta de um sono cataléptico. No momento estou em transe, andando em voltas, lutando para retornar à realidade, enquanto ando pelas ruas de minha cidade, tentando encontrar presentes de Natal para a família.