Sábados

A mulher é elegante, os cabelos são bem tratados, as roupas caras. Parece feliz. Aciona o alarme do carro e o catador de papel que está sentado ao lado do carrinho, na frente do carro dela se assusta. Fica a olha-la. Não com agressividade, nem ameaça. É um olhar triste e sofrido. Ele olha o carrinho cheio de papel sujo, os pés no sapato velho, as pernas magras, mas sobretudo olha a mulher. Tão linda, tão limpa, tão perto e tão distante. Ela também fica tocada. Demora a ligar o carro. Confunde-se com as sacolas de compras, até pára de cantarolar a canção como vinha fazendo. Ajeita, sem graça, os cabelos encaracolados.
Os pés limpos nas havaianas novas, o vestido curto, os cabelos rebeldes molhados no banho recém tomado. O rosto triste e compenetrado da menina é moreno e bonito. Por que não pode estar na pracinha como suas colegas de escola? Abaixara-se no fundo da carroça para elas não a vissem quando passaram por lá. Seu pai a olhou com ar zangado. Como sempre. “Vamos comigo na serraria buscar lenha.” Ela até tentara esconder-se no galpão, disfarçadamente. Já estava limpa. Era sábado à tarde. Tudo o que não queria era outra vez um serviço pesado. Não bastam as tardes inteiras passadas na roça? Olha as mãos grossas, as unhas encardidas apesar de todo o esforço para mantê-las limpas. Será que um dia sua vida irá mudar? Passará os sábados em lugares bonitos, longe de trabalhos como este que enche suas mãos de pequenos pontos vermelhos? A carroça está quase cheia de sobras de tábuas. Ela está calada. O pai também. Daqui a pouco voltarão. Ainda bem que está escurecendo, apesar do dia de verão, suas amigas não estarão mais na praça. Ela não poderá abaixar-se outra vez. Do jeito que o pai a olhou, se fizer de novo, receberá uma bronca daquelas. “Ainda prefiro uma bronca do que agüentar a segunda feira”. Pensa na cara de cínica da Sandra, comentando a toda altura, no meio da sala de aula que a viu na carroça. Odeia aquela menina. Não sabe porque a Sandra implica com ela. “Até lhe dei cola na prova de inglês.” “Acho que ela não suporta minhas notas. Também, tudo é tão fácil”. Sempre que pode, Sandra a humilha. Ri de seus chinelos emendados com tiras, de seus cadernos sem capa e vibrou quando a professora falou que a letra dela precisava melhorar. “E muito”. Sandra apressou-se em mostrar o caderno limpo e todo sublinhado com canetinha. “Parabéns Sandra. Veja Rita, assim é que devem ser os cadernos.” Rita olha para Sandra, para o próprio caderno cheio de orelhas, para o caderno bonito de Sandra. Fica calada.
Sobe na carroça. Ainda não escureceu. Sandra está na praça e olha Rita com superioridade. Não há espaço para abaixar-se na carroça. Os olhos envergonhados olham as mãos feridas e sujas. As havaianas novas também estão sujas. Uma tristeza densa a envolve.
A mulher liga o carro. Os olhos do homem a seguem. Ele já não é jovem. Não terá como alterar sua realidade. Desce do carro e lhe dá uma nota de dez. Ele a olha surpreso. Não é um mendigo, apenas um trabalhador de rua. Não devolve a nota, mas também, não agradece. Olham-se em silêncio. Uma tristeza densa envolve o sábado.