Si

Parecia aquelas histórias típicas de pré-romances adolescentes.
Todo dia, uma mesma mensagem começou a chegar no meu correio eletrônico: “quero te conhecer de qualquer maneira. Sua, Si”.
Não deletava as mensagens, mas ignorava porque só podia ser brincadeira. Ou obssessão – no caso, eu preferia a primeira hipótese. Mas quando comecei a receber mais de 20 dessas por dia, percebi que ela havia se tornado mesmo minha fã (o motivo, não me pergunte, eu até agora não entendi também), embora eu me conhecesse o suficiente para justificar a falta de auto-estima para acreditar que uma “Si” quisesse um encontro de verdade comigo.
Até que lhe mandei uma mensagem dizendo que não havia motivos para ela querer me conhecer pessoalmente, quer dizer, se houvesse, pelo menos não haviam me informado e, portanto, que desistisse de seu suposto intento. “Fábio, por favor, eu preciso…” foi a resposta que veio. E a cada nova mensagem, ela parecia mais decidida, e com tamanho grau de doçura, que começou a ficar difícil lidar com aquela situação. Até que fui enfático, dizendo que iria excluí-la do servidor antes que os e-mails chegassem. Ela não acreditou, continuo me bombardeando de vontades de me ver, até que tive mesmo que excluí-la.
Dois dias sem mensagens da Si.
* * *
“Alô”, atendi ao telefone.
“Oi. Sou eu. Sentiu saudades ?”.
“Eu quem?”, já não me lembrava mais dela.
“A Si. Fábio… por favor, um encontro rápido, não custa nada, vai…”
Fiquei pensando como é que aquela maluca tinha conseguido meu telefone. Aliás, parênteses. Só agora percebi que eu não expliquei como é que ela surgiu nisso tudo. Estava eu num chat literário, desses em que rolam uns falsos papos cabeças, um querendo impressionar o outro com Goethes e Faulkners da vida, quando ela veio com “Si pergunta reservadamente para Fábio: você acredita em sedução virtual?”. Gostei do papo dela, ela me pediu meu e-mail, não gostava de dar para os chatos virtuais, mas acabei cedendo, com a certeza (e a esperança) de que ela não me escreveria. Daí…
“Meu Deus, mas o que é que você quer de mim?”, perguntei firme, sem ser mal-educado.
“Te conhecer, ora… As pessoas não se conhecem assim, por aí ?! …E olha, não se preocupe, porque eu sou muito bonitinha, viu ?!”, falou, sem modéstia.
“E se o seu conceito de bonitinha for diferente do meu ?”, desafiei.
“Eu sou linda, tá ?! Você não vai se arrepender…”, ela disse, e eu é que passei a ficar intrigado, afinal, ela falou “se arrepender” ?
“Se você for linda mesmo, aí é que complica tudo… Você vai ficar traumatizada pelo resto da sua vida quando me conhecer. Olha, eu vou desligar, tá ?!”
“Amanhã, às três da tarde, no vão livre do Masp. E pode deixar que eu vou saber quem é você, mesmo que esteja cheio de gente”.
Desliguei. E agora ?
Tentei imaginar, só pela voz, como ela seria. Não devia ter mais que 20 anos. Eu ia ou não ia ?
Fui.
Cheguei cinco minutos antes. Até que senti as mãos delas cobrirem meus olhos, naquele joguinho que eu odiava. Mas abri uma exceção quando a vi.
De fato, era uma menina encantadora. Dessas que exalam beleza a quilômetros de distância, sem ser notada. Linda e discreta. E o sorriso mais espetacular que alguém já dirigiu a mim desde que eu me conhecia por homo sapiens sapiens.
Permanecemos naquele oi, tudo bem, sou eu, muito prazer, obrigada, você também, aqui perto, de metrô, pensei que não viesse, gostou?, não esperava, quem sabe outro dia, até que ficamos um tempinho em silêncio, ela não parava de sorrir maravilhosamente, e nos despedimos. Ela com uma alegria tão estampada no rosto, depois de deixar a minha pele impregnada de CK One, entre generosos abraços e beijos de marcar a bochecha, me acenando de longe, como que depois de realizado um sonho.
E eu, tentando entender, me entender, me remoendo “será que ela vai me ligar amanhã?”, “pôxa, como eu fui cruel ao filtrá-la do meu servidor, como você pôde fazer isso, seu canalha?” …