Mas, sobretudo, flor

Fiquei aqui tentando escrever uma crônica, olhando a tela em branco, pensando no que gostaria de escrever: nada. Dou voltas pela casa, ouço música, corrijo textos e… nada!
Quinta-feira no Brasil, fim de férias, e nada? Como assim, nada?
E aí me lembrei da história da orquídea, porque me alimento de pequenas histórias que me acontecem no cotidiano, eu sou uma contadeira de histórias, eu sei. Então, lá vai… Ganhei de presente uma orquídea e ela veio florida em alta haste, como convém às orquídeas. Esguia a haste, lá estava, no seu alto uma linda flor roxa, misturada de brancos e amarelos. Ficou ali, na sala, até que um dia começou a murchar. Caiu a flor, porque tudo é mesmo transitório nesta vida, e ficaram o vaso e suas folhas encorpadas. Coloquei-a ali, entre os dois bonsais e passaram-se os meses, muitos.
Um dia, o jardineiro chegou para aparar as plantas e cuidar das flores e como temos, ainda, um pequeno jardim com seu amontoado de tinhorões e pequenas árvores, seu sossego de sombras, sua terra escura, cheirosa e escondida, quis o jardineiro amarrar a orquídea embaixo das folhas e dentro da frescura do pequeno jardim. Ficou ali escondida. Por quanto tempo? Não sei, mas houve um inverno de permeio…
Dia desses, Cláudia me chega correndo, quase sem fala: venha ver, venha ver… E fui, sem ao certo saber o que era, os pés descalços correndo pela casa, atravessando o caminho de pedras. Foi então que entre as folhas que a escondiam, ali, encerrada no mar de plantas do pequeno jardim, descortinei a orquídea e o seu esplendor…
Ah, pensei, olhando para ela: não é que Deus existe mesmo e nos socorre ?
Fiquei ali parada, como se menina fosse, segurando folhas que a separavam do mundo… ah, rara orquídea, cadê teu beija-flor que te descubra e beije?
Estranho dizer aqui que um deus, enquanto eu a olhava, aninhou-se dentro de mim? Pois se aninhou nas quenturas do meu coração, eu que imaginava que orquídeas assim, tão lindas, só acontecessem nos escondidos das florestas, nos despenhadeiros e nos abismos…
Pois é assim que me sinto hoje, neste dia perfeito, todo azul: com esta orquídea roxa nascida do lado esquerdo, presentes que dona Vida me dá , às vezes, por descuido ou por vontade.
Então, aceito.
E fico olhando a orquídea, que fui lá, outra vez, agora: tão linda de se ver, escondida num minúsculo jardim da minha casa. Poderia ter revivido onde quisesse, para os olhos de quem quisesse. Mas veio renascer aqui, para mim, para os meus olhos humanos que vêem tantas indelicadezas e tragédias. Veio para me lembrar, talvez, que em meio a ásperos ofícios do viver encontra-se sempre uma rara orquídea.
Às vezes como esta, tão real quanto um rio e sua água; às vezes uma orquídea inventada, mas por isso mesmo também orquídea E porque a vida é isso: rara orquídea, sei que basta descobrir onde se encontra a flor. Mesmo que imaginária, mas, sobretudo, flor.