Lá embaixo, na base da colina de cujo topo observo a paisagem, um monte de árvores com galhos secos retorcidos como se tivessem sido cortadas e amontoadas… Do andar superior do convento no qual me encontro caem gotas ensolaradas de água que me lembram mísseis luminosos numa guerra real entre seres humanos e legiões de formigões de colarinhos amarelos (numa incessante fila indiana), guerra travada numa enorme parede manchada por lodo e musgos e seccionada por calhas de zinco, num cenário parecido com o de um filme de François Truffaut dos anos 60. Um calor e uma sensação de cansaço me desanimam. Me lembro, neste estado, do que Sartre mostrava em certas cenas de O ser e o nada. Estou exausto: fiquei até tarde na internet e agora me queixo dos meus exageros. Ouço Beethoven mas não me reanimo. Já tomei café e também não resolveu. Será que logo mais amarei a contento? Estou exaurido, quase esquálido, como os protagonistas das telas de El Greco de Toledo. Ah! E ainda marcharei a pé para minha casa daqui a pouco!… Será que agüento? São quatro quilômetros de caminhada. Hum!… Que vontade de mijar!.. Deixe-me ir ao banheiro. Um momento. Volto já. (…) Voltei. Ahh!… Abri a boca para um prolongado bocejo, o qual quase me deixou com câimbra no queixo. Outro bocejo. Meus maxilares também se esgotam com esses movimentos. Será que é inveja ou é falta de comer queijo? Terceiro bocejo… Final de expediente: são dezessete horas e vinte e nove minutos. Daqui a pouco pego minha bolsa e vou embora. Na garagem lá de casa, como naquela música do Roberto Carlos, as minhas cachorras me aguardam com seus costumeiros assanhamentos. Quarto bocejo: nada de novo, nenhuma novidade. Um acorde mais alto na música de Beethoven e revejo os campos espanhóis no inverno passado. Lembranças inexatas. Continuo com idéia fixa na Europa, quase sete meses após o meu regresso daquelas paragens!… Pois é, se não leio nem escrevo nada, fico sonolento. Quase adormeço. Quinto bocejo: contemplo a glória do Senhor nos raios dourados deste crepúsculo. (…) Diante desta minha situação, tomo uma decisão: antecipo a minha saída do trabalho. Já vou. Até amanhã. Final de um relatório de um servidor público sem animadoras perspectivas.
Não existem provas nem documentos. Tudo é trama e trauma. Estamos paranóicos. As drogas nos apavoram. Não nos iludamos: o mingau de maisena é delicioso mas faz mal para diabéticos. Isto é sem sentido e sem nexo? Eu estou viajando na maionese? Europa e Ásia fazem parte de uma só massa continental. Certo?
Carlos Drumond de Andrade também foi funcionário público e até secretário do Ministro da Educação e da Saúde Gustavo Capanema, em plena ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas (1937/1945). O que é ser burguês no mundo contemporâneo? As patas dos escorpiões em suas caixas de cimento armado e papelão sugerem as sonoras escritas e ideogramas da civilização que finda para um novo tempo, que não sabe para onde ir nem para que continuar seguindo em frente sem pensar em precipícios.
O fanfarrão foi flagrado em pleno ser fantoche imaginário, chantageado policialescamente num labirinto de prazeres exagerados por saudades saudáveis dos universos vislumbrados por internautas pós- Ulysseanos, enquanto a neve cai sobre os cemitérios de Dublin!…
Os adolescentes buscam desesperadamente parâmetros existenciais nas gerações que lhes antecederam. Eu não tenho tais parâmetros pois não creio em nada “pronto” e muito menos em soluções definitivas. Definitivo só a morte. E agora, vendedora de geléia de amora? Alex Vallauri, um dos precursores da arte do grafitte no Brasil, que nos deu seu célebre Frango Assado, morreu com AIDS.
O rock, o soul, o blue e o jazz me sugerem euritmias pós-modernas. Danço e me preservo. A “guerra-da-Coca” entre Colômbia/ FARC/EUA/Brasil e Peru me apavora. Estou horrorizado ao ver Putin optar pela razão do Estado Urso e não pelas vidas dos 118 marinheiros do submarino atômico Kursk que agora jazem no fundo do Ártico.
O século XX termina com acidentes aéreos e submarinos, incêndios, erupções vulcânicas, maremotos diluvianos, terremotos e desilusões políticas e ideológicas crescentes e atordoantes. A crise Argentina se aprofunda apesar dos milagres de São Caetano. O século XXI chega com um vácuo de perspectivas. O especulador Georges Soros insinuou que o Capitalismo está chegando ao fim. E logo desmentiu sua insinuação. Os cemitérios estão superlotados de seres clonados.
Ouço o Andante do divertimento KV 136 da Sinfonia de Salzburg número um de W. A. Mozart (1756/1791) enquanto leio poemas de Jean-Paul Mestas (nascido em 1925 em Paris), que em seus Cadernos de viagem nos diz: “Em calma a neve canta a vitória do dia. E nada mais se diz: a voar partimos/ As coisas mostram verdadeiramente a face da fadiga e são tantos os dias vividos como séculos…/ A bruma terá sido para nós como um farrapo de seda entre o corpo e a alma. E até o fim do mundo assim teria podido ser./ Cinzento de Oviedo/ Cinzento de Gijón/ O cinzento duma Espanha cloroformizada/ Sem Cervantes/ O mal de Europa a quebrar-lhe as guitarras.” (endereço do autor: Jean- Paul Mestas – 43 Quai Magellan – 44000 – Nantes – France – Europe).
Concordo com o escritor britânico Edward Rutherfurd: “O passado não só constrói o nosso cotidiano, mas também nossa imaginação.”
Eu não assisti à estréia da peça Os dois cavalheiros de Verona, uma das primeiras de W. Shakespeare. Os painéis da imensa lanchonete de uma das estações de auto-bus internacionais (T. Galiano) de Madrid, além dos preços e recomendações a todos os seus usuários, incluíam um enorme e lento relógio do qual não tirava meus olhos. Ansiava chegar, o mais depressa possível, a hora de embarcar para Toledo e conhecer, mais de perto, o melhor da obra do grande El Greco. Rilke localizou em Toledo a pátria das suas fantasmagorias e pesadelos. Numa tarde tão quente como esta, ventos frescos me presenteiam com cheiros de rosas.
Os marinheiros russos do Kursk fugiram do mundo e foram morar no fundo do Ártico. Por toda a eternidade, de lá velarão por sua nação. As flores atiradas ao mar por suas mães não chegaram até hoje ao monumental sarcófago nuclear no qual se refugiaram.
(…) “A nudez liberal das florestas, a calma de morte e o vazio em redor tornavam o lugar irreconhecível.” (…) “As avelãs, em geral, não têm tempo de amadurecer: os garotos das aldeias colhem-nas ainda verdes.” (…) “Sua mãe não era mais deste mundo.” (…) “Em volta, ainda a treva noturna./ E é tão cedo no mundo/ que no céu as estrelas não têm número/ e todas reluzem como dia/ e, se pudesse, a terra/ adormeceria nesta Páscoa/ à leitura do saltério/ Em volta, ainda a treva noturna./ E a hora é tão matutina na terra/ que no ângulo da Encruzilhada/ estendeu-se a praça por uma eternidade,/ e entre a alva e o calor do dia/ decorrerá ainda um milênio.” – Boris Pasternak – O Doutor Jivago – Belo Horizonte – Editora Itatiaia – 1962 – terceira edição.
A clara alvorada, orvalhada e estrelada, coloria o céu com a cor das hortênsias da serra de onde soprava um hálito fresco que despertava os pássaros da manhã. Raiou o dia. O sol impera. Nos porões, a escuridão e os fungos resistem. Luz e trevas sempre.
II – A morte seria a plena superação da dualidade dimensional tempo e espaço?
Eu sou bem parecido com a Maria Mole cantada pela Rita Lee: não faço força nem pra soltar pum. Vivo na horizontal. Na vertical só pra dançar a dança do ventre. Velho de asilo não quer só bolacha pra molhar no café com leite. Velho de asilo também quer sexo, por que não? Velho também é ser humano sexuado. Velho também é sacana e sensual. Experimente e tire suas conclusões. Adoro pessoas idosas, de ambos ou de todos os sexos.
Minhas transgressões e minhas subversões há muito deixaram de ser partidárias e ideológicas. Aliás, nem creio mais em subversões e em transgressões ideológicas. Assim como nas manifestações culturais populares, minhas transgressões se dão nas relações interpessoais do dia-a-dia, minhas subversões ocorrem na cama, na mesa, na minha escrita, na minha roupa, nas minhas conexões à internet, no meu papo, no meu olhar, nos cheiros que me atraem, nas minhas imaginações e memórias, enfim, no meu jeito de ser. Só assim me sinto transgressor. Os outros lances políticos, partidários e ideológicos há muito não mais me são dignos de crédito, são trapaças para se alçar ao poder, eu não quero o poder. São vigarices demagógicas, são fontes de desilusões, são causas de grande parte dos nossos ceticismos contemporâneos.
No início, meu terno era uma roupa chic de gente rica. Mas de tanto usa-lo, sem tira-lo um só dia, esta minha roupa passou a feder tanto que virou uma indumentária de mendigo. E, como dizia Bertold Brecht, quem não entendeu que vá para o inferno!… José ngelo Gaiarsa é maravilhoso. Mas Gaiarsa foi contratado pelo Fundo Social de uma prefeitura do interior paulista para proferir uma palestra no meu lugar… Ele é mais famoso. Segundo Antonio Abujanrra, chegamos a um tempo em que não adianta morrer. Minha religião é o culto e a vivência intensa do prazer sexual e esta minha tradição litúrgica milenar já no século XIX tinha um teólogo que não escondia de ninguém esta sua tesuda sabedoria mística e erótica. Este nosso primeiro Papa do Sexo chamava-se Havelock Ellis e era australiano. Viva Havelock Ellis!…