Acabara de cair uma chuva miúda, dessas que vão molhando aos poucos o corpo e encharcando a alma. Ele, porém, não sentia a água. Caminhava pela rua sem ver ninguém naquele fim de tarde nublado em que as pessoas corriam para chegar em casa ou outro lugar ao encontro de amigos, amantes, namorados, pais, esposas, maridos, filhos, desconhecidos. Ou personagens de novelas, filmes, teatros. Ele não via ninguém, porque não tinha a quem encontrar. Na verdade tinha, pensava ter tudo na vida, mas não queria mais nada daquilo e vagava pela rua aturdido, sem saber se ia ou não para casa. Medo sim, mas medo do quê, daquilo com que não se importava? E a dor? Uma dor fina lhe apertando o peito que o fazia andar mais e mais sem rumo certo e sem saber por quê, só sabia que precisava andar e andar e fazer essa dor caminhar dentro dele.
Andava com o olhar perdido nas ruas e nos edifícios sem formas, só linhas e concreto e pastilhas e janelas de vidro e persianas e cortinas e grades se fechando, se cercando, se defendendo do mundo em volta. Mundo sem cor e sem graça, havia graça e cor mas ele não percebia, não podia perceber nada que não fosse aquele céu nublado que crescia nele.
Foi quando viu a praça.
Há quanto tempo não ia a uma praça! Desde menino…
Atravessou a rua sem prestar atenção aos carros. Percorreu surpreso uma aléia florida, viu uma estátua de ninfa, o laguinho com pedras. Sem sentir, sentou-se em um banco molhado pela chuva. A beleza simples daquele jardim o tocava de alguma forma, o cheiro úmido da terra e da vegetação já o invadira e começava a impregná-lo de um perfume que ele há muito tempo não sentia.
E as cores…
A cor das flores dançava à sua volta, despertando os sentidos, enquanto uma brisa fresca lhe desarrumava os cabelos que insistiam em cair sobre a testa. Como um afago suave…
Uma folha de árvore, brincando, veio se depositar em seu colo. Ele sorriu, estava sorrindo, afinal. E sentiu uma saudade imensa de casa, de sua vida, das pessoas conhecidas que ele há muito desconhecia e nem quisera mais encontrar.
Começava a anoitecer e ele nem tinha percebido que os postes pouco a pouco se iluminavam. Decidiu ir embora, estava ficando tarde…
Queria ver as pessoas em casa, telefonar para os amigos, saber como todos tinham passado o dia e se estavam felizes como ele se sentia agora. Sim, e tinha que jantar, ler o resto do jornal, ver um pouco de televisão, preparar anotações para um trabalho no dia seguinte. Ele foi para casa, conversou, jantou, riu muito e acabou não querendo saber de jornal, televisão ou trabalho naquela noite.
Depois, muitas noites pela frente. E muitos finais de tarde. Ele continuou sentindo, às vezes, aquela mesma inquietude, aquele mesmo medo indefinido e aquela dor fina lhe apertando o peito.
Sobretudo quando chovia. Era quando se lembrava da praça e era tomado pelo mesmo cheiro de terra, pelas flores coloridas dançando novamente à sua volta e pela brisa… sim, pela brisa e pelas folhas com suas carícias suaves… Quando o perfume e cores e afagos se tornavam menos nítidos e ele acordava inquieto no meio da noite, ia à janela. Às vezes um luar prateado o acolhia para mostrar que não, ele não estava sozinho. Aquela mesma lua também banhava a praça.
Voltou muitas vezes à praça e a cada vez permanecia mais tempo, encantando-se numa doce embriaguez, embalado por perfumes, cores e afagos.
Numa dessas noites não voltou mais à casa.
Diluiu corpo e espírito naquele banco de jardim, sob a árvore frondosa.