Três Poemas de Mariza Miranda

1- MEMÓRIA
Guardo imóvel, plácido ,
como água parada, opaca,
reproduzindo a imagem
de um céu sempre deserto,
cheiros que meu olfato
vai arquivando intactos.
Nostalgias que inocentes
atiçam minhas entranhas
e como profecias evocam,
incomodam a companhia
de lembranças e agonias.
Cheiro de chuva, de garapa,
de fumo de rolo, de avião.
Cheiro de terra, de praça,
de saca nova de feijão.
Cheiro de maresia, de mato,
de corpo suado, molhado,
depois de sensual ação.
Cheiro mofado de passado
reconfortado pelo afago
do olhar singelo de então.
2- S U G E S T Ã O
Deite teu olhar sobre o mar
deleite tua alma, teu corpo,
com a brisa leve e calma
que acaricia hoje teu rosto.
Encha teu coração sombrio
com esse fio de luz da manhã,
permita um passo, depois outro
na construção de teu real afã.
Aprenda que após a noite
surge sempre a madrugada.
Sê pleno, sê inteiro, sereno,
no cuidar de tua estrada.
Deite teu olhar sobre o mar
ainda que não vejas nada!
3- T E M P O
Prá te medir inventaram marcos
traços no chão cuja sombra te revelavam.
Ergueram belas e altas torres
de onde, distraídos, tentaram te aprisionar.
Montaram carrilhões sonoros
onde, incompreendido, choravas
notas de inefável melancolia.
Criaram engenhócas tantas
balançando compassadamente
seus pêndulos na sala da avó.
Criaram débeis e robustas caixas
grandes, pequenas,de ouro e prata
que carrega-se noite adentro
a registrar o fim que se avizinha.
Prá te medir inventaram tanto
e continuas, dono de teu intento,
a sorrir de nosso espanto!