Perdendo A Hora

A cada noite adormeço
ao som repetido e monótono
de um velho despertador.
Ajusto-lhe os ponteiros,
arrasto-os no tempo
até o momento presente.
Aos poucos, no entanto,
batidas lentas, preguiçosas
vão retornando ao passado
e a ele levam meus sonhos.
Volto assim, a cada noite,
a meu ser adolescente,
à mais feliz inconsequência.
Te revejo como já faz tanto!
Sonhos são senhores do tempo:
por eles habitas meu mundo
ainda hoje.
Minhas noites são como vidas
vividas e revividas,
em que íntegro me entrego
à paixão mais pura,
aos prazeres mais doces
e às dores mais doídas.
Se a luz forte do sol
e o ruído do mundo
me consomem e desgastam,
à noite rejuvenesço.
Sei que, um dia, ao despertar
pelo som amortecido
do meu relógio antigo,
serei de novo criança:
sentar-me-ei à porta da rua
e esperarei, ansioso e alegre,
por teus passos pressurosos,
teu olhar incandescente,
ardente e doce
amiga…