Poemas de Francisco Alves Júnior

ATREVIMENTO
É domingo. Preparo um drinque.
Tudo sem o menor requinte e sem o menor bom-senso:
Um copo de vidro – o bordo trincado.
Adiciono uísque – três ou quatro chacoalhadas,
gelo a gosto, uma fatia de laranja,
e espremo o resto da fruta copo adentro.
Depois completo até a boca com licor de jabuticaba de Itabira.
Por acaso, na velha vitrola,
Elis canta uma canção antiga,
uma “Canção Amiga”.
Na vitrola, de emoção, o velho disca embarga,
enrosca, engasga e chia!
Ah, Drummond, o senhor que me desculpe,
mas vou chamar esse meu drinque de “poesia”…
COVA RASA
Nenhum letreiro, nenhuma flor,
nenhuma vala, nenhum romeiro,
nenhuma lágrima, nenhuma dor …
Nenhuma vida, vela ou veste,
nenhum santo branco ou preto,
nenhum padre brasileiro,
nenhuma sorte, praga ou peste
louva o chão desse canteiro.
Somente a faca cava a cova:
de leste a oeste escreve a morte
no corpo inerte do coveiro.
Mas ao coveiro resta Deus,
acima de todas as coisas,
acima de todos os seus:
acima de suas covas,
acima de suas minhocas,
acima de seus tatus …
Abaixo de Deus,
acima de seus urubus.
SAUDADES
Ah, meu amor!
Para não morrer de saudades,
há que se esconder das coisas,
há muito que se olhar …
Para não morrer de saudades,
há que se molhar a roseira
e não ver a poda;
há que se revirar a cama
e não vasculhar os lençóis;
há que se fechar o armário
e não guardar o vestido;
há que se abrir a gaveta
e não ver o retrato;
há que se pôr o disco
e não ouvir a música.
E há que se ver o sol
e não deixá-lo ser poente;
há que se olhar o tempo
e não deixar chover,
há que se olhar a noite
e não ver a estrela.
Para não morrer de saudades,
há que se colher a flor,
há que se arrumar a cama,
há que se desarrumar a casa,
há que se trancar a porta.
E, ao anoitecer,
em silêncio,
esquecer o tempo,
apagar a estrela
e te procurar …
deitar a flor na lápide
e depois nela dormir,
para poder morrer um pouco
e não morrer de saudades.
EM TRÂNSITO
Um barulho infernal! A vozearia!
Morreu alguém atropelado!
Tenho que evitar a Rua da Saudade.
Se viro à esquerda, caio no centro da cidade.
Se viro à direita, caio na periferia.
Seguindo em frente, cumpro o destino,
portanto, é melhor ir pela faixa,
é melhor seguir a mão,
é melhor atravessar ao outro lado em segurança.
E depois, no céu, seguir em frente com papai.
– Papai, me dê a mão!!
– Papai, o caminhão!!
– Papai, saia do chão!!