naquela sala de chá,
morna e macia
de nevoeiro espesso sempre envolta
deixei meu pensamento à solta
pelo sofá
angustiando a tarde até ao fim do dia
as folhas em branco sobre a mesa
esperavam
insistentes
a sombra da tristeza
foi quando entediado
ausente
ponderava de longe um croissant
que vi o teu olhar magoado
reflectido na superfície quente
do meu chá de hortelã
não sei o que aconteceu ou se passou
apenas que o tempo
então
ali
parou
prendi meu pensamento às folhas intocadas
saí com uma saudade que doía
esperava-me um bando de gaivotas assustadas
cá fora era já noite
e chovia.
II.
a sala da minha avó guarda encantos e memórias
conservados em saudade
sons de sorrisos velados, perfumes das quintas feiras
– às cinco em ponto era o chá –
vinham as tias solteiras e um senhor de panamá
que falava em liberdade….
bem ocultas sob o pó dormem antigas histórias
dois sofás de velho couro
jornais do tempo da guerra
da fome e da incerteza
um vaso apenas com terra
junto ao isqueiro de ouro
os cachimbos do avô
dormem soltos sobre a mesa recoberta de tricot
pelas paredes espalhados
quadros a óleo suspendem
parentes desconhecidos
de largo bigode hostil
comendadores no Brasil
… era o tempo de emigrar…
e ainda paira no ar
o odor adocicado dos charutos apagados
a secretária de alçado
postada a um canto, sombria
sob o relógio parado,
ainda hoje vigia
os papéis e o passado
fecho a porta de mansinho, deixo as cortinas cerradas
no silêncio que transborda, de sudade, de carinho,
ouço o relógio sem corda
dar as cinco badaladas…
e depois… chorar baixinho
(charutos, chá das cinco e saudade)