E O TEMPO VAI
E o tempo vai-se
sem ao menos
perguntar
se já
é momento de ir…
Com o mudar
de azul em negro,
com os cheiros do sonho
e da manhã
o tempo morre
e nasce
sem intervalo,
sem que eu possa
fazer e refazer,
pensar e repensar,
sentir e re-sentir
aquilo que,
hoje sei
ou talvez nunca venha a saber,
me faz falta.
E EU
E eu
a passar a limpo
meus cadernos
e o Zé aos dele,
os olhos
do papel
à máquina
e é só
toque toque
raque raque.
E fórmulas e mais fórmulas,
ácido mais base dá
sal mais água,
na minha vida
nada disso acontece,
sal e água
pouco tenho
mas existe ar,
muito ar,
e vento
ventania
calmaria também,
assim não navego
meu barco pára
meu pensamento congela
minhas mãos
se irritam,
imóveis,
e os olhos,
os olhos param
o azul é cinza
o branco amarelo
as pálpebras pesam,
o sono sem sonho vem
e acordo a cada hora
e olho a sombra da cortina
e levanto e deito
e viro
e enlaço o travesseiro com as pernas
o cobertor coça
o pernilongo zumbe zune
eu o afasto com safanão,
raspo os dedos uns nos outros,
coço os pés,
o pequeno sono vem
e acordo exausto.
HÁ DIAS
Há dias em que não sei
o que são essas gentes.
E são tantas
e tão espalhadas
e por todo
lugar
e além-mar
(essas há muito não vejo)
e de todos os tipos
e muitas em
carros e carrinhos e caminhões e trens e aviões
a ir de um lado ao outro
e até parecem estar a fazer algo
e a correr,
muito vermelhos e olhos a saltar e veias a pular e nariz a aumentar.
Algumas,
sérias e importantes,
carregam pastas e bolsas
a que se agarram
e pensam que lá carregam o motivo de tanto
taranto.
Melhor seria
que se aquietassem,
dessem asas às crianças
que se tornariam anjinhos
e pelos ares voariam,
alegres a rir-se,
e nós
aqui da terra
a rirmo-nos
para elas.