PRIMEIRO SONETO MEIO BARROCO
O todo sem a parte não é todo;
A parte sem o todo não é parte;
Mas se a parte o faz todo sendo parte,
Não se diga que é parte sendo todo.
Gregório de Matos
Um simples conformar-me a olhos tais
Foi já nascente idéia em não querê-la:
Recusa de ceder ao que – tão bela –
Seria morte em mim, um fim, sem mais.
E mais, ainda, a afronta desse viço
Que – tão contrário a mim – se faz arauto
Da dor com que me vejo louco e falto
Da força com que arrosta o fado imigo.
Mas, deu-se o renascer (que nem é certa
Coisa que em mim se instala, invade e dura),
E fez de outra fatura o meu olhar-te:
E fez de mim – ruína que antes era –
Um ínfimo infinito: imagem sua,
Ao dar-se em todo inteiro o que era parte.
SEGUNDO SONETO MEIO BARROCO
Assim como se dá com a galera
Que sulca, opressa, mares, ondas bruscas,
E busca uma firmeza que se apura
Nos saltos com que, móbil, se aquieta,
No dentro já costura o fora e é certa
Amiga que acompanha toda usura
Do tempo – solução que só mistura
Tormenta, calmaria, paz, procela -.
Assim se faz meu ser, que é todo um ritmo
Perdido nos mil tons que vêm de ti,
Tentando ver em um o que o destino
Me dá a ver tão vário. É frenesi
Que cobre a compostura de menino
Com que te quero, séria, sempre em mim.
PRIMEIRO SONETO BARROCO
Agora volta o vento ao que antes era,
Despido já de força tão insana;
E a brisa que à procela, enfim, se irmana
É dádiva de Adônis que vem d¹Ela.
Agora vê-se o vento em calma e àquela
Angústia que, aos olhos, pesa e dana
Vem dar constante ardor e fria chama,
Que a brisa que ora morre ainda é bela.
Mas vê-la não podia ser mais duro,
Que o vento sabe, ao menos, retornar
E dar-se por vencido, mas – eu juro –
Se é vento, nela, não o sinto em ar:
Pois como pode ser tal brilho escuro,
Que só me dá um vácuo a respirar?
SEGUNDO SONETO BARROCO
Tudo no mundo é jogo, Fábia. A sorte
É sisuda a teus prantos, à alegria
É grave. E o que o destino principia
Se acaba sempre em pó, em nada, em morte.
E o que mais dói é ser valor sem importe:
Transtorna, em pouco tempo, essa acalmia
E já nos troca em velha mercancia,
Ao mudar em fraqueza o que era forte.
Se, há, pois, ordem alguma em que fiar,
É saber que se ignora, é crer sem
Fé, que a cautela é como um barco ao mar:
Ajustado o leme, atado ao arrebém,
Assesta rumo reto ao navegar,
Até que o mude o Fado, com desdém.
TERCEIRO SONETO BARROCO
Há pouco já chegava o ameno vento
Que deixa seu langor em todo rosto;
Mas já se troca em gelo, em fel, desgosto,
Que em toda paz parece haver tormento.
E assim se faz, de um pouco, o abastamento;
E dá a ver, num dia só, composto,
O ano todo inteiro em que suposto
Amálgama de climas seja o intento.
Mas não há mais que zelo e hesitação:
E se é guerra o motor que lança a paz,
Mais não seja preciso ter à mão
Que a ânsia de lutar; que a dor que traz
O fero padecer se paga, então,
No fraco que, de si, constrói-se audaz.