QUARTO DIA
– Bom dia.
– Bom dia, adorável carcereiro!
– Agora quem tá sendo irônico é você, cara. Eu falei um bom dia legal, pô.
– Desculpe.
– Olha, Lacerda, eu já fui bastante paciente, você não pode negar… E é o meu trabalho. O Otávio cobra pacas, a gente tem que dar um jeito.
– Como dar um jeito?
– Solta logo. Fala. Tu sai daqui vivo, eu prometo. E palavra de Buda é lei.
– Buda nunca escreveu uma linha.
– Como?
– Deixa pra lá. Quero água.
– Tem que comer antes.
– Tem o quê aí?
– Cardápio especial. O mesmo de ontem.
– Tá. Manda.
– Isso… Toma lá.
– A cara é horrível.
– É o que o mestre-cuca aprontou. Não reclama.
– Merda.
– Enquanto você come, vou falando tudo. O Otávio quer nomes, lugares… Quer que você diga onde moram os outros do grupinho de vocês e o que vocês faziam.
– Nada.
– Como nada, porra? Tardes inteiras trancados numa porra de um quarto quente, o maior verão aqui fora e uma meia dúzia de gatos pingados fechados num lugar fedorento? Isso não me cheira bem.
– Como era o nome dela?
– Dela quem?
– Da moreninha que vocês comeram.
– Ah, peraí… Lourdes. Não… sei lá, acho que era Lourdes. Por quê?
– Eu pensei que você nem se lembrasse dela.
– Mas eu não lembro mesmo. Mulher eu como, e só. Não curto aquela coisa de cafuné, deitar no meu ombro. Não. Viadagem eu deixo pros outros. E pra ter mais, só no casamento. Não quero e pronto. Agora é a minha vez.
– De perguntar?
– Hum, hum… Dói dar o rabo?
– Porra, que pergunta, hein?
– É pra responder. Eu respondi a minha.
– Tá de sacanagem comigo?
– Lacerda, eu sou macho pacas, tá? Não tenho a mínima vontade de ver alguma coisa se enfiando dentro de mim. Prefiro enfiar. Inclusive acho melhor quando provoco a dor, claro.
– Claro…
– Gosto de apertar o clitoris da mulher com força, até doer. Misturo tesão e dor nelas. Elas ficam doidas comigo.
– Imagino.
– Então, nunca senti e nunca vou sentir o que você já sentiu.
– Não tenha tanta certeza…
– E como você sabe e como nós estamos aqui, papo de homem pra homem, estou te perguntando como é a sensação. Dói?
– Eu gosto.
– É viado há muito tempo?
– Tem poucas semanas que dei a primeira vez.
– Pra ele mesmo?
– É. Por causa dele.
– Você é corajoso de dizer isso. Gosto disso em você. Tenho que admitir que você é um comuna legal.
– Eu não sou comuna. Sou um estudante!
– Como rolou?
– Eu gosto de mulheres, sabia?
– Também?
– Você não entendeu. Eu gosto de mulheres. E de Dico. Dico é a única exceção.
– Qual é o nome completo do Dico?
– Porra! Você tá querendo me enredar, seu filho da puta! Já tava te entregando tudo.
– É o meu trabalho, Penélope.
– Filho da puta!
– Fica calminha…
– E pára de me chamar de Penélope!
(Silêncio)
– Não foi por mal. Desculpa se eu berrei com você.
– Da próxima eu mando chamar o Maceió. Já te avisei.
– Eu vou me comportar.
– Gosta de ler?
– Gosto.
– Eu também. Aqueles livrinhos de banca, sabe? Bangue-bangue. Às vezes, compro aqueles dramas açucarados pra patroa. Ela não se incomoda de ficar em casa, contanto que tenha livrinhos para ela. Outra coisa: ou ela não gosta da casa ou não gosta de mim.
– E se ela não gostar de você? Como se sentiria, descobrindo que ela tem um amante, por exemplo.?
– Ela não tem. Não é besta.
– E se você descobrisse? Você o mataria?
– Com certeza.
– Você é primitivo, sabia? Tenho nojo de você, Buda…
– Muito obrigado.
– Não há de quê.
– Vamos parar de bobagens. Ao trabalho, cara.
– Não adianta continuar com isso. Não pretendo demorar muito aqui dentro.
– Não é mais dono da sua vida não, Lacerda..