E então, Marina _ como era conhecida_ convidou Cleotildes para uma tarde na Feira dos Paraíbas.
_ O que é isso, Cleo, que bicha burra! Já falei que lá é superseguro, não rola assalto, tiros, nada. É tudo invenção de quem não tem o que fazer.
Cleotildes, 44 anos, vivida e sarada , logo revidou:
_ Olha, Marina, você é quem sabe , tudo pela classe. Já estou vendo que essa feira de fashion, não tem nada. Mas, fazer o quê? Vamos, né? Mas temos que estar preparadas para tudo!
E foram serelepes para a tal feira .
Marina, descendente de paraíbas, discorria sobre o sofrimento de seu povo, da gente de sua terra natal, falava que quando era pequena gostava de comer aquela comidaria toda que dava “sustança”, dizia que pulava amarelinha e jogava queimado . Não era de acordo com a política de “desparaibização” que se fazia aqui no Rio ou em São Paulo. E por aí, Marina engendrava: “paraíba é muito gente, sim, é povo lutador, sabe? Esses cariocas frescos não tão com nada, nem esses paulistanos branquelos e workaholic. Pra mim, só tem gente brava e autêntica lá na Paraíba. Isso é que é terra”.
E Cleotildes, neto de soteropolitanos , acrescentava:
_ É, nega… Aqui nas metrópoles, só na raça que tu consegue as coisas. É muito suor, um passando a perna no outro, a gente precisa é de muita, muita reza … Só assim mesmo.
_ É por isso que não vejo a hora de fazer minhas malas e pumba! Direto pra Paraíba. _ continuava Marina.
_ Faz uma coisa, nega, eu vou dar um pulinho nas barracas de comida típica e ver algumas coisinhas . Você vai ficar por aqui mesmo?
_ Vou, Cleo, pode ir lá, eu espero. Vou ver umas blusas por aqui, vai lá.
E se ia Cleo, todo contente. Chegava às barracas de bugigangas , quinquilharias , via alguns CDs , dançava, cantava. Deliciava-se com tamanha diversidade de achados ( e perdidos). Cleotildes estava como o Diabo gosta. Tocava-se de tudo: às vezes, a cultura paraíba dava espaço àquela de massa (?). E aí, era festa. Cleo pediu uns quitutes , um refrigerante e lá foi ele: “Dói, um tapinha não dói, um tapinha!” E rebolava, requebrava. “Assim, assim, vou passar cerol na mão…!”
De repente, ele percebeu que tudo se movimentava rápido demais, era gente que se jogava no chão, gritava, corria. Pensou, “Ixe! Pessoal aqui é animado mesmo!”
Viu Marina lhe acenando.
_ Ooiii, bem! Vem aqui!_ retribuía Cleo.
E Marina fazia-o com maior entusiasmo, quase uma súplica.
_ Hein? Vem cá, tá bem animado! O quê? Hein?? É o que, filha??
E o barulho era descomunal. Cleo sorria-lhe , mas Marina desesperava-se cada vez mais.
_ E o que que é, Marina? Ixe, Mainha, o que é que essa mulher quer, gente? _ Cleo se desesperava.
Tentava ler os lábios de Marina: “ab… abai… abaixa, lo… logo… abaixa logo, sua… bi… abaixo logo, sua bicha burra??”
_ O quêee? Ai!!!!!! Jesus! Ai, Maria Madalena!!! _ Cleo mergulhava no chão.
Pa-pa-pa-pa-pa-pa, pu-pa-pu-pa-pa-pa. Era gente correndo, tropeçando, caindo, mulher com neném que se jogava no chão. Foi um desastre.
Marina, logo que pôde, veio ao encontro de Cleotildes, desesperada.
_ Oi, Mona, o que é que tá acontecendo? _ gritava Cleo.
_ Nada, Cleo, corre!!! Corre, homem de Deus! Anda! Vamos sair daqui, que o bicho tá comendo solto; paraíba quando se apoquenta é fogo! Literalmente. Anda, corre!!!!!!
E saíram desesperadas sem pagar nada, só viam o ponto de ônibus, o oásis urbano.
Já calmas e dentro do ônibus, Marina e Cleotildes riam do incidente . Nada de mortos, saberiam mais tarde que era um “cabra” pechinchando mercadoria.
Chegavam à Zona Sul. Na esquina de uma avenida movimentada, nada de tiros: uma criança e um homem de meia-idade trocando aperto de mãos. Troca estratégica de 20g por algumas dezenas de reais.